Título: GUERRA À BUROCRACIA
Autor: Renan Calheiros
Fonte: O Globo, 20/10/2006, Opinião, p. 7

Para simplificar a oferta de serviços públicos e acabar com a exigência irracional de pilhas de atestados, licenças e formulários que infernizam a vida do cidadão e empurram nossas empresas para a informalidade, o Brasil já teve até um Ministério da Desburocratização. Isso, quase 30 anos atrás. A extinção do atestado de bons antecedentes, a criação do Estatuto da Microempresa e a dos Juizados Especiais estão entre as principais conquistas da época. Mas, de lá para cá, pouco se avançou na simplificação de procedimentos administrativos. O Brasil ainda amarga o título de um dos países mais burocratizados do mundo. E nosso dinheiro continua escorrendo pelo ralo, assim como nossa competitividade no mercado internacional.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que 25% do tempo útil da alta administração de uma empresa são gastos com exigências burocráticas. A Câmara Brasileira de Construção calcula que a burocracia eleva em até 425% os custos da construção civil, e o Sebrae alerta: metade das micro e pequenas empresas acaba fechando em menos de dois anos, por conta das exigências burocráticas e da carga tributária abusiva. De acordo com o IBGE, a burocracia é a maior dificuldade para as empresas se regularizarem: o Brasil tem cerca de 10 milhões de negócios informais, contra 5 milhões formais. Informalidade, como sabemos, é sinônimo de sonegação fiscal, competição desleal e emprego precário.

Tem mais. Em pesquisa de 2006 do Banco Mundial sobre a facilidade de se fazer negócios, o Brasil aparece, entre 155 países, em 119º lugar. Cai para a 140ª posição quanto à facilidade de pagamento de impostos, e para a 144ª quanto à facilidade na contratação e demissão de pessoal. Abrir uma empresa no Brasil leva cerca de 152 dias e inclui 17 etapas burocráticas, a um custo que excede os 10% da renda per capita. A comparação é cruel: no Reino Unido, são apenas seis etapas e 18 dias para se abrir um negócio, a um custo de 0,7% da renda per capita.

Não é à toa que 32,5% dos empresários ouvidos em pesquisa recente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) indicam o excesso de documentos e informações cadastrais como um dos grandes entraves para o acesso ao crédito. Nem que o relatório ¿Crescimento¿, a visão da indústria, da CNI, aponte a burocracia como ¿um dos principais obstáculos ao crescimento do país, na medida em que dificulta a operação e reduz a competitividade das empresas, além de desviar recursos produtivos para áreas não produtivas e incentivar a informalidade¿.

São motivos de sobra para que, não apenas os empresários, mas toda a sociedade, Legislativo, Judiciário e as três esferas do governo comprem essa briga. O Senado deu um passo adiante, ao aprovar boa parte da reforma infraconstitucional do Judiciário, essencial para uma Justiça mais ágil e mais eficiente.

A aprovação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas será outro avanço inquestionável. Além da redução expressiva de impostos, com o Supersimples, a criação do cadastro único eletrônico e a simplificação dos procedimentos para abrir e fechar uma firma vão dar novo fôlego a esse segmento chave de nossa economia. Vale lembrar que a aprovação da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios foi uma das principais sugestões da Comissão Especial de Desburocratização criada pela Presidência do Senado, em 2005.

Mas ainda temos muita estrada pela frente para desatar os nós da burocracia no sistema tributário, nos contratos de trabalho, nos processos de licenciamento ambiental, na importação e exportação e na vida das pessoas. Hoje, cada um de nós possui cerca de 10 documentos, que poderiam ser substituídos por um apenas, como em outros países.

Independente do resultado eleitoral, precisamos ter maturidade política para não adiar mais a reforma tributária, já aprovada pelo Senado, e a reforma trabalhista. Sem atacar de frente esses dois sistemas tão complexos e ultrapassados, qualquer medida de desburocratização será marcada pela fragilidade.

RENAN CALHEIROS é presidente do Senado.