Título: Quem são os torcedores violentos?
Autor: MAURICIO MURAD
Fonte: O Globo, 28/10/2006, Opinião, p. 7

Ofutebol é um dos nossos patrimônios culturais e não pode ficar à mercê de grupos violentos, compostos por ¿torcedores¿ menos interessados em olhar para o campo do que em provocar confusão. Tanto que a morte de um torcedor no último dia 7 de setembro ocorreu bem antes do jogo, e a mais de seis quilômetros do Maracanã.

A despeito de todo o alarme que esses fatos inevitavelmente provocam, o debate sobre o tema ainda está primário. É preciso conhecer o perfil de tais torcedores para melhor planejar estratégias.

Os indivíduos violentos são minoria nas torcidas organizadas. Estas, por sua vez, representam minorias no universo dos torcedores. Embora sejam perigosos, porque armados, treinados em lutas marciais e estruturados militarmente em pelotões e tropas de choque, os torcedores violentos representam pouco mais de 5% do total.

Sua ligação com drogas e gangues urbanas é um fenômeno dos anos 90, que contribuiu para agravar as ocorrências. Mas, atenção: são práticas de violência no e não do futebol. Quase 70% dos jovens brasileiros (34 milhões, ou 20% da população) vivem em situações sociais que estão direta ou indiretamente ligadas ao crime organizado. É nessa faixa etária que se concentram os torcedores violentos, predominantemente entre 14 e 25 anos.

Eles vêm de todos os níveis sociais, em especial da chamada ¿classe média baixa¿. Os torcedores violentos constituem um universo masculino, mas não só: entre eles, há cerca de 15% a 20% de mulheres. Quanto à escolaridade, a maioria se concentra entre a 5ª série do ensino fundamental e a 2ªsérie do ensino médio, embora haja universitários.

Há pouco em comum entre essas torcidas e suas antepassadas, aquelas organizadas na década de 1940: Uniformizada do São Paulo e Charanga Rubro-Negra, de Jaime de Carvalho, representante de todas as torcidas na Copa de 1954 ¿ fato, hoje, inimaginável. Carnavalizadas, naquelas torcidas a sociabilidade era quase familiar, e os conflitos, localizados. Os grupos violentos começaram a surgir nos anos 70, durante o auge da ditadura, e se consolidaram pela transgressão e ilegalidade.

Que iniciativas foram tomadas quando a violência entre torcidas chegou às páginas policiais, na década de 1980? Tão óbvia quanto a gravidade da questão é a resposta: pouco foi feito na prevenção, bem menos na reeducação.

Proibir as torcidas organizadas, sob a alegação (justa) de marginalidade, não parece ser o caminho, como ficou provado na experiência de São Paulo. A torcida é fundamental para a cultura e o espetáculo do futebol. A questão é controlar e reduzir a impunidade.

Três medidas integradas e permanentes podem ajudar a reduzir esse tipo de violência: reeducação, prevenção e repressão, a longo, médio e curto prazos, considerando a cultura local, a criatividade e o fator surpresa (itens essenciais em ações de segurança pública). Pesquisa, inteligência e ação. Não generalizar, porém identificar e punir. Palavras de uma estratégia adequada à complexidade do problema e de recusa ao simplismo e ao reducionismo.

Iniciativas eficazes devem incluir a atuação de juizado especial e delegacia móvel; cadastramento de torcidas; responsabilização do clube; aumento do efetivo policial e integração com torcedores pacíficos; cumprimento de pena alternativa em dias de jogos; abertura antecipada dos portões de estádios; mídia, chefes de torcidas e ídolos envolvidos em campanhas de paz; descontos nos ingressos para famílias; prevenção nas áreas de risco, antes e depois dos jogos.

São procedimentos confiáveis e já foram testados, alguns aqui mesmo no Brasil.

MAURICIO MURAD é professor de Ciências Sociais da Uerj.