Título: Caetés comemora quatro bons anos
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 29/10/2006, O País, p. 22

Cidade de Lula ganhou luz, escola, hospital, shopping, e agricultores agora têm celular e crédito do Pronaf

CAETÉS, PE. À primeira vista, nada mudou no pequeno vilarejo de Várzea Comprida, a dez quilômetros do Centro de Caetés, no agreste pernambucano, onde parece que o tempo parou. Ainda sobrevivem as ruínas do conjunto de três casas conjugadas de onde Lula partiu com a família, há mais de 50 anos, para tentar vida melhor em São Paulo. Na estrada poeirenta que passa em frente daquilo que um dia foi uma escola, uma pequena mercearia e a residência onde o presidente nasceu ¿ então distrito de Garanhuns ¿, o ritmo é o mesmo do passado: corre no compasso do carro-de-boi ou em lombo de jumento. Na casa de farinha onde trabalha outra geração da família Silva, os equipamentos são artesanais. Mas uma coisa é certa: quatro anos depois, a mudança aparentemente invisível pode ser percebida quando se conversa com os moradores do município, a 252 quilômetros da capital.

A vida deles não é um mar de rosas ¿ ainda dependem de carros-pipa, cacimbas ou barreiros para se abastecer. Mas todas as pessoas consultadas pelo GLOBO relatam que hoje é bem melhor do que em 2002. Os sítios estão totalmente eletrificados, os agricultores já se comunicam por celular e elogiam o Programa de Financiamento da Agricultura Familiar (Pronaf), que garantiu recursos para suas pequenas safras. Relatam que o acesso ao crédito era difícil. Agora, se organizam no Programa de Revitalização da Bacia Leiteira do Vale do Ipanema, em fazendas comunitárias de leite que de início dará sustentabilidade a 72 famílias. E comemoram a chegada da primeira indústria do município, que acaba de ser implantada: uma usina de biodiesel que pode mudar a vida dos pequenos produtores de Caetés. A fábrica já foi concluída.

Os lavradores afirmam que a fome caiu. É que, além de terem passado um bom inverno, eles contam com o reforço do Bolsa Família, que tem 3.600 cadastrados em Caetés, com população de 26 mil habitantes, 75% na área rural. No campo, a economia se concentra nas lavouras de subsistência, da qual dependem Francisco Cordeiro Xavier, 51 anos, e a mulher, Raimunda Josefa de Farias, 53. Eles têm dois cavalos, duas vacas e cultivam milho e feijão que ¿só dá pra casa¿, onde vivem dez.

¿ Esses quatro anos estão sendo bons para nós. Lula está ajeitando o país. Não vou botar defeito nele. Foi ele que deu o cartãozinho (que dá acesso aos saques do programa social). A gente trabalha que nem doido na roça, mas hoje tem mais uma coisinha para comer. Todo mundo aqui está com Lula. Daquele outro (Geraldo Alckmin), ninguém nunca tinha ouvido falar ¿ afirma Francisco.

Para ele e a mulher, dólar na cueca, mensalão, dossiê não interessam. A resposta que explica em parte a popularidade de Lula entre as famílias carentes dos grotões do Nordeste:

¿ Para o pobre, importante é a barriga cheia ¿ diz Francisco, a caminho do Barroca, seu sítio de dois hectares.

Perto dali, em Várzea Comprida, primos em segundo grau do presidente cortam mandioca para fabricar a farinha que vendem na feira da vizinha Capoeiras. Para Marcelo, 24, Marco Antônio, 25, e Maxuel, 19, a realidade da caatinga hoje é bem diversa da 2002, quando a economia do município enfrentou dificuldades ainda maiores devido à seca.

¿ Para muita gente mudou, principalmente para quem não tinha nada. Essas pessoas hoje recebem benefício, têm o que comer ¿ diz Marcelo.

A realidade hoje é bem diversa de 2002, quando a economia do município enfrentou dificuldades ainda maiores devido à seca. O que não é muito assume ar de fartura para quem se acostumou a nada ou muito pouco.

Enquanto carrega capim para o gado, o lavrador Wilson Rosendo da Silva, 54, quatro filhos, conta que teve acesso ao Bolsa Família, conseguiu dinheiro no Pronaf e que ¿hoje a família é pobre, mas não passa fome¿.

Na cidade, até praça suspensa

Se na área rural de Caetés é preciso conversa para descobrir as mudanças nos quatro anos de governo do mais ilustre filho da terra, na área urbana é diferente. O comércio floresceu, o Centro está urbanizado e ganhou até praça suspensa, sob a qual funcionam lojinhas, o shopping da cidade. Caetés era antes um desconhecido ponto no mapa, que só começou a ganhar visibilidade depois que Lula foi eleito, com a visita de jornalistas de várias partes do mundo ¿ parentes do presidente se queixam de não entender quase nada do que eles falam.

No último levantamento do IBGE, a cidade aparecia com 0,521 de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), entre os 14 piores do estado (a média é 0,692). Muitos problemas perduram, como no abastecimento de água, onde mesmo os moradores da área urbana precisam quase sempre recorrer a carros-pipa ou à água vendida de porta em porta, em lombo de jumento. Em compensação, o Programa de Saúde da Família tem hoje 100% de cobertura, as crianças estão vacinadas e o antes precário hospital tem profissionais de 35 especialidades, inclusive neurologista, ultra-sonografista e endoscopista.

A população rural e da cidade que arrancava os dentes agora tem o Programa de Saúde Bucal, com 2 mil atendimentos mensais, entre ações básicas e de média complexidade. Hoje se dispõe até de tratamento de canal e de atendimento noturno.

¿ Antes eu pensava em ir embora daqui. Mas não vou mais. A cidade hoje tem tudo que a gente precisa: educação, transporte, saúde. Já tem gente até de outras cidades vindo se tratar aqui ¿ diz José Alexandre da Silva, 66 anos, morador do sítio Vargem Suja, que trocou o jumento por uma moto.

No início da manhã, ao meio-dia e no fim da tarde são vistos mais de 60 caminhões circulando por ruas e sítios. Até lembram o pau-de-arara em que Lula fugiu da seca em 1952. Mas hoje os caminhões, com carroceria coberta e bancos fixos, carregam estudantes.

¿ Temos hoje 8.600 alunos matriculados na rede municipal, 6 mil dos quais no ensino fundamental, afirma José Luís Sampaio, o Zé da Luz, que administra Caetés pela terceira vez. Agora são 2.600 no segundo grau. Em 2002 eram 271. A área rural dispõe de quatro colégios com segundo grau.

O prefeito, que era do PT, há mais de um ano passou para o PSB. Mas continua do lado de Lula. Ele afirma que a receita mensal de Caetés é de R$1,1 milhão e que o Fundo de Participação dos Municípios responde por quase a metade da quantia. A injeção de recursos do Bolsa Família e dos aposentados da cidade ¿ que sustentam o comércio do município ¿ é maior do que a receita própria da prefeitura. Mas Caetés dá o exemplo: gasta 46% do orçamento com a folha de pagamento. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia consumir até 54%. A prefeitura tem 900 servidores, entre contratados e efetivos.

¿ Há dez anos Caetés tinha duas bodeguinhas, onde se vendia tudo: cachaça ao lado do açúcar, farinha do lado do veneno de muriçoca (pernilongo). Há quatro isso eram vendinhas improvisadas nas casas de família. Hoje são oito mercadinhos de pequeno e médio porte ¿ diz Jairo Claudino de Oliveira, 31, fornecedor de mercadorias ao comércio local, completando que nos sítios quase todo mundo tem celular, geladeira, alguns até DVD.

Quem faz o resumo é José da Silva, 75 anos, de Várzea Comprida:

¿ A vida melhorou 30% no governo Lula. Antes o povo passava fome. Agora todo mundo tira auxílio. A vida hoje está uma mansão. Vai melhorar ainda mais porque ele vai ser reeleito. Os outros presidentes não olhavam para ninguém, esqueciam os pobres. Hoje o pobre está de barriga cheia.

Casado com uma tia de Lula, Corina Guilhermina da Silva, 77, ele colheu esse ano dez sacas de feijão, que plantou com recursos próprios. A colheita só dá para o consumo doméstico, como ocorre com grande parte dos pequenos produtores do Nordeste. Ambos têm aposentadorias rurais e por isso não recebem Bolsa Família. Com os benefícios, mantêm a pequena propriedade de 16 hectares, uma dezena de galinhas e três garrotes.

Corina, que viu Lula crescer, atrapalhou-se no primeiro turno e anulou sem querer o voto que pretendia dar ao sobrinho. Hoje pretende tomar mais cuidado diante da urna informatizada, com a qual ainda não se habituou. Indaga como consegue uma fotografia atualizada do parente mais ilustre para substituir a da propaganda antiga, da última campanha presidencial. Quatro anos depois, o apelo do cartaz fixado na parede do alpendre de sua casa de três cômodos pode dizer pouco para o homem quase nada letrado do campo. Mas provavelmente seria visto com certo saudosismo pelo eleitor mais exigente dos grandes centros: ¿Por um Brasil decente, Lula presidente¿, proclamava o cartaz em 2002.