Título: O provisório permanente
Autor: DENIS LERRER ROSENFIELD
Fonte: O Globo, 13/11/2006, Opinião, p. 7

Alíngua portuguesa não deixa de dar uma contribuição à discussão sobre a reforma tributária, pois a palavra "imposto" significa imposição, algo não-voluntário, quando deveria ser algo que envolvesse livremente o conjunto dos cidadãos. Imposições desse tipo não condizem com uma sociedade que procura avançar para o crescimento econômico e para a realização de suas liberdades.

A palavra "contribuição", nome travestido de imposto, não deixa, por sua vez, de implicar uma certa dose de perversidade, pois ela está normalmente associada a atos voluntários, enquanto as nossas "contribuições" são, na verdade, imposições, algumas de efeitos nefastos, como a incidência em efeito cascata da CPMF. A perversidade, porém, não para por aí, pois o seu nome a caracteriza como "provisória", quando, em sua aplicação, a vemos como algo permanente, segundo as pretensões dos governantes de plantão. Numa estranha contribuição para o nosso vernáculo, a palavra "provisória" veio a significar "permanente", como se fossem sinônimos. Bem real, no entanto, é o seu significado ao pesar no bolso dos contribuintes, chamados de cidadãos, mas, na verdade, súditos dessa forma de imposição. Por que não pensarmos num referendo com o objetivo de saber se os cidadãos desse país realmente desejam a permanência dessa "contribuição/imposição"?

o crescimento econômico não é um mero ato de vontade, embora seja um ato de escolha que parte de uma apreciação concreta da realidade. Ele não irrompe naturalmente se algumas condições não estiverem preenchidas, dentre as quais uma maior liberdade da sociedade em relação a uma elevada carga tributária, uma administração eficiente e enxuta do Estado e funções sociais focadas em áreas realmente necessitadas. Não bastam declarações de que o país crescerá a uma taxa de 5% ao ano se este discurso não vier acompanhado de medidas concretas. Sob as condições atuais, em que poucas reformas do Estado se vislumbram no horizonte, a tendência é de mais do mesmo, ou seja, a conservação do ritmo atual de crescimento de nossa sociedade. Uma sociedade asfixiada pelo Estado encontra evidentemente dificuldades em crescer. Se os impostos e as contribuições são simplesmente canalizados para uma máquina estatal onerosa, ineficaz e com nichos de corrupção, a sociedade tende a ficar imóvel. o Estado foi feito para servir à sociedade e não para dominá-la. Se esta passa a viver dependendo de um Estado que se presume sabedor de tudo, ela viverá atrelada a objetivos que não são os seus. Uma versão disto é a dependência em que muitas empresas se encontram em relação a isenções fiscais setoriais, que deveriam constituir uma regra comum para todas. ou ainda, por que determinados setores deveriam ter uma carga mais elevada do que outros? Por que o Estado e, em particular, alguns governantes, sabem necessariamente o que é melhor para a sociedade e para cada um dos seus setores particulares?

Empresas que pagam menos impostos e menores contribuições possuem melhores condições de crescimento e, sobretudo, de competitividade em um mundo aberto para o melhor desempenho dos que ousam enfrentar o mercado mundial. Empresas que pagam menos impostos podem crescer mais rapidamente, criando emprego e favorecendo diretamente as regiões em que atuam.

Uma reforma tributária, como a que se vislumbra, não deveria consistir numa mera repartição do bolo entre as entidades federativas, deixando a sociedade com as suas migalhas. É a sociedade que produz e paga impostos e contribuições, tendo todo o direito de se manifestar no sentido de uma diminuição da carga tributária, pois disto depende a sua autonomia, sua iniciativa e seu empreendedorismo. onde ficam os interesses das empresas e dos cidadãos?

Uma oportunidade, entretanto, se apresenta. o momento pós-eleitoral é particularmente propício a um entendimento suprapartidário, voltado para as questões centrais do crescimento econômico. Seria necessário fazer uma espécie de agenda mínima que listasse aquelas que são as condições essenciais para que o Estado brasileiro aumente a sua capacidade de investimento e a sociedade possa se desenvolver independentemente dos favores e benefícios estatais.

DENIS LERRER RoSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.