Título: Lula e Chávez
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 14/11/2006, O Globo, p. 2

Não havendo mais campanha eleitoral aqui, o presidente Lula subiu ontem ao palanque de seu amigo Hugo Chávez, que tentará a reeleição na Venezuela, no dia 3 de dezembro. Lula falou a linguagem de Chávez: contra as elites, a mídia e os que não gostam de governos voltados para os pobres. Mas, reeleito, Lula parece agora empenhado em recuperar o terreno perdido para o vizinho como líder continental.

Em seu novo mandato, prometeu trabalhar com muito "mais força" e com muito "mais ousadia" para consolidar a integração sul-americana. Sua própria reeleição, combinada com a derrota de Bush nos Estados Unidos e a eleição de mais um presidente latino-americano de esquerda, Daniel Ortega, na Nicarágua, deram pilha nova ao discurso "continentalista" de Lula: o povo que o reelegeu, disse ontem, é o mesmo que elegeu Nestor Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Ortega na Nicarágua e reelegerá Chávez na Venezuela. O vago parentesco ideológico entre boa parte dos governantes, entretanto, não tem impedido o aumento dos problemas e de conflitos entre vizinhos.

A Bolívia, com a nacionalização das reservas de gás e petróleo e a ocupação militar nas refinarias da Petrobras, criou com o Brasil uma tensão que Lula administrou com tal indulgência que se desgastou internamente. Dentro do Mercosul, Argentina e Uruguai seguem com sua disputa em torno das fábricas de celulose uruguaias. Acabam de recorrer à arbitragem da Espanha. O Uruguai reclama também das restrições brasileiras a seu arroz, enquanto o Chile, governado pela social-democrata Michele Bachelet, tem pragmática relação bilateral com os Estados Unidos. O Peru mantém latente a pretensão de recuperar seu território perdido para o Chile, e seu novo presidente, Alan García, já se desentendeu com Chávez, que já brigou também com Alvaro Uribe, da Colômbia.

Apesar dos conflitos, o volume do comércio brasileiro com os países da região cresceu 200% nos últimos três anos. O comércio com a Venezuela passou, no mesmo período, de US$800 milhões para US$3,4 bilhões. A diplomacia brasileira continua enfrentando críticas internas à sua política de integração regional e à diversificação das parcerias comerciais, embora isso não tenha prejudicado as relações com os EUA e a Europa. A mesma política, com o mesmo chanceler, será mantida no segundo mandato. No discurso de ontem, Lula ainda disse ao anfitrião: "Não se incomode. De vez em quando tentam fazer intrigas entre Chávez e Lula, tentam criar divergências entre nós". Falou-se muito, em tempos recentes, no Brasil e no exterior, do avanço de Chávez sobre a liderança continental de Lula, que agora estaria empenhado em resgatá-la. Mas, reeleito Chávez, ele também se sentirá fortalecido e escalado para o papel.