Título: Jogo de xadrez
Autor: ANDREA GOUVEA VIEIRA
Fonte: O Globo, 14/11/2006, Opinião, p. 7

O futuro governador do Rio Sérgio Cabral acerta na mosca. Manda examinar se o orçamento que lhe cairá no colo em 2007 é somente uma peça de ficção. Sábia providência. Não adianta encher os olhos diante de R$35 bilhões, e se comprometer com as demandas sociais, se a história dos orçamentos anteriores revela a inexistência dos recursos. Como no Jogo de xadrez, o governador eleito nos dá outras dicas sobre a estratégia que pretende usar para reinventar o estado desmantelado.

Busca exemplos vitoriosos nos governos de Minas e Espírito Santo. Chama o expert em gestão, consultor Vicente Falconi, reconhecido nacional e internacionalmente. E anuncia para o secretariado nomes que se destacam como gestores de sucesso. O médico Sérgio Cortes, vitorioso à frente do Hospital federal de Traumatologia; Júlio Bueno, responsável pela eficiência na gestão da BR Distribuidora no governo Fernando Henrique. Para a nova Secretaria de Planejamento, Controle e Gestão, Sérgio Ruy Barbosa, um especialista em administração pública, com experiência recente em Duque de Caxias, município que integra a estratégica região metropolitana. E escolheu Lúcia Léa, respeitadíssima procuradora do Estado para missão tão árdua quanto urgente: a recuperação da milionária dívida ativa para fazer frente ao vergonhoso estoque de precatórios do Estado.

Os nomes anunciados, até o momento, não são, como acontece normalmente, mera distribuição de cargos na base aliada, mostrando que há compatibilidade entre composição partidária e formação de uma equipe competente.

Por prematuro que possa parecer, o otimismo para com o futuro do estado se justifica quando o olhar se volta comparativamente para a cidade do Rio, onde não há motivo para esperança alguma. A falta de gestão da prefeitura fica evidente quando se observam a cidade e o orçamento.

A peça de ficção orçamentária do município começa justamente com o problema que o futuro governador quer evitar. A receita sistematicamente superestimada nos últimos anos contribui para a cidade disfuncional. Pode ser traduzido naquilo que é a reclamação mais simples de pobres, ricos e remediados, de bairros formais ou favelas, em qualquer região da cidade: a falta de manutenção básica de ruas, parques, jardins e até de escolas, creches e hospitais.

Só no Favela-Bairro deterioram-se 600 milhões de reais já investidos e não preservados, conforme relatório do Tribunal de Contas do Município e comprovados nas fotos e filmes exibidos pelos moradores. Não se encontra no orçamento a ser votado pelos vereadores qualquer garantia de que ano vem haverá o atendimento a essas necessidades. Fato confirmado pelo secretário municipal de Obras em recente audiência pública.

O mesmo secretário, entretanto, enche o peito para anunciar a "capacidade financeira" (inflada) da prefeitura de investir 300 milhões de reais na construção de um novo estádio esportivo, que ele não sabe até agora quem e como será conservado no futuro. Não é à toa que a cidade do Rio ocupa o 3.864º lugar em responsabilidade fiscal e o 4.259º em responsabilidade social, num ranking de 4.285 municípios brasileiros, indicadores produzidos pela Confederação Nacional de Municípios (CNM).

Por isso, quando aparece por estas tristes e malcuidadas terras fluminenses alguém disposto a dar xeque-mate na falta de gestão, é com muito prazer que se lhe dá boas-vindas.

ANDREA GOUVEA VIEIRA é vereadora (PSDB) no Rio.