Título: EQUADOR À ESQUERDA
Autor: Mariana Timóteo da Costa
Fonte: O Globo, 27/11/2006, O Mundo, p. 19

Boca-de-urna indica vitória do nacionalista Correa sobre Noboa por ampla margem

Mais de nove milhões de equatorianos fizeram, ontem, jus à fama de estarem entre os eleitores mais imprevisíveis da América Latina ao elegerem o nacionalista de esquerda Rafael Correa (da Aliança País) com estimados cerca de 750 mil votos de vantagem sobre seu rival, Álvaro Noboa (do Prian). Apesar de o resultado oficial do segundo turno das eleições presidenciais estar previsto para ser divulgado somente entre hoje e amanhã, diferentes pesquisas de boca-de-urna e sistemas de contagem rápida dos votos, criados pelos meios de comunicação equatorianos, indicam uma surpreendente vitória de Correa, com 55% a 57% dos votos válidos, contra entre 43% e 45% do bilionário Noboa. Num hotel no centro de Quito, Correa e integrantes da Aliança País já festejavam a vitória e falavam sobre seus projetos de governo, logo depois de os primeiros resultados das pesquisas serem divulgados, às 17h (20h em Brasília).

¿ Foi uma vitória do projeto de um novo Equador ¿ disse Correa, que mais tarde seguiu para sua cidade natal, Guaiaquil, onde comemoraria a vitória até a madrugada de hoje. ¿ Ganhei e vou continuar lutando pelos pobres na Presidência da República.

Noboa ameaça contar voto por voto

Visivelmente abatido, o candidato Álvaro Noboa disse que não reconheceria a derrota ¿até que a contagem oficial e manual dos votos, feita pelo Tribunal Superior Eleitoral do Equador (TSE), seja concluída¿.

¿ Em que país vivemos? Estes resultados estão errados. Até a véspera da eleição, eu e Correa estávamos praticamente empatados, eu com uma ligeira vantagem ¿ alegou Noboa, frisando que, caso a vitória de Correa seja confirmada, ele mesmo ¿contará voto por voto novamente¿. ¿ Se suspeitar que houve fraude, contarei isso ao Equador.

O empresário populista de direita certamente não contava que grande parte dos cerca de 20% dos equatorianos que ainda estavam indecisos um dia antes da eleição optassem pelo esquerdista neste segundo turno, numa votação considerada ¿quase exemplar, tirando mínimos incidentes¿, tanto pelos 80 fiscais da Organização dos Estados Americanos (OEA) que se encontram no Equador como pelos cerca de três mil voluntários da organização independente equatoriana Participação Cidadã ¿ que ontem compareceram a locais de votação em todo o país e descartaram a existência de fraudes. Prisões, mesmo, só das cerca de 760 pessoas acusadas de violarem a lei seca no fim de semana.

¿ Se os resultados das pesquisas de boca-de-urna derem uma ampla vantagem para um ou outro candidato, já teremos uma boa idéia de quem será o presidente ¿ disse o representante do secretário-geral da OEA, o chileno José Antonio Viera Gallo.

Correa convoca para festa à democracia

Já o presidente do Equador, Alfredo Palacio, pediu ontem que o candidato que não for eleito admita a derrota.

Rafael Correa já demonstrava confiança na vitória logo na manhã de ontem, ao votar, por volta de 9h, numa escola no centro de Quito. Sorridente e sob gritos dos eleitores ¿ que gritavam frases como ¿Se vive, se sente, Correa presidente¿ ¿ Correa convocava todos os equatorianos a irem às ruas no domingo e hoje, para ¿festejar a democracia¿. Ao contrário de seu comportamento no primeiro turno da eleição presidencial, afirmava que ¿não tinha motivos para desconfiar da ocorrência de fraude¿ ¿ numa clara e curiosa inversão de papéis com Álvaro Noboa, que chegou em primeiro lugar no primeiro turno (com 26% dos votos, contra 22% de Correa) e sempre mostrava-se confiante na vitória, descartando irregularidades no processo eleitoral equatoriano.

Ao contrário do nacionalista de esquerda, o bilionário populista, que votou em Guaiaquil por volta das 14h (17h em Brasília), estava com uma expressão tensa e séria já naquele momento. Antes de votar, Noboa fez um discurso de oito minutos, em que leu uma parte da Bíblia e se comparou a Jesus Cristo, ¿cujo único objetivo na vida foi servir ao seu povo, assim como farei com os equatorianos¿. No local de votação, fez campanha, criticou institutos de pesquisa e acusou ¿jornalistas de conspirarem¿ contra ele, proibindo, inclusive, a rede de TV Ecuavisa de entrevistá-lo. Durante o discurso, ainda proibiu qualquer jornalista presente de interrompê-lo com perguntas.

¿ Uma atitude de quem já previa um resultado desfavorável ¿ acredita o cientista político Fernando Bustamante, da Universidade São Francisco de Quito.

Apesar da vitória que se desenha, Bustamante prevê um governo ¿extremamente difícil para Rafael Correa¿, a partir de 15 de janeiro de 2007, principalmente pelo fato de a Aliança País não ter nenhum deputado no Congresso equatoriano.

¿ Ele vai ter que moderar em sua postura de auto-suficiência e confronto, terá que buscar o diálogo e o apoio político se quiser cumprir o mandato de quatro anos no Equador ¿ diz o cientista político.

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