Título: BOLÍVIA: REFORMA AGRÁRIA ALARMA BRASILEIROS
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 30/11/2006, O Mundo, p. 38

Lei é aprovada e oposição acusa governo de subornar senadores em sessão que ratificou regra polêmica para Constituinte

BUENOS AIRES. Em meio a graves acusações de compra de votos, o governo do presidente da Bolívia, Evo Morales, conseguiu aprovar na noite de terça-feira o projeto de reforma agrária, considerado inadmissível pela oposição e por produtores rurais da região de Santa Cruz, entre eles, brasileiros. A nova lei foi votada no Congresso graças à colaboração de três senadores suplentes, acusados por colegas da oposição de terem sido subornados pelo Executivo. Anteontem à tarde, Morales ameaçara aplicar o projeto enviado ao Congresso por decreto, caso a oposição insistisse em continuar impedindo a votação no Senado, paralisado desde a semana passada.

¿ A partir desta lei termina o latifúndio na Bolívia. Agora teremos um instrumento para acabar com os fazendeiros ¿ declarou o presidente, após promulgar a lei.

Estado poderá verificar terras a cada dois anos

Ontem, os produtores rurais de Santa Cruz se reuniram para discutir o novo cenário nacional. Segundo afirmaram ao GLOBO imigrantes brasileiros que chegaram à Bolívia na década de 90 para produzir soja, o clima é de forte preocupação.

¿ A legalidade da medida é discutível, o governo deu um golpe usando senadores opositores. Depois de dois meses de negociações, foi aprovada uma reforma que não leva em consideração nossas demandas ¿ assegurou Zacarias Valle.

Segundo ele, ¿o principal temor é que a partir de agora qualquer denúncia de particulares ou movimentos sociais autorizará o Estado a verificar se as propriedades estão cumprindo sua função econômica e social.

¿ Isso vai complicar, por exemplo, o pedido de créditos bancários, porque nossas propriedades já não servirão como garantia ¿ disse ele.

O Estado poderá realizar verificações a cada dois anos, prazo considerado muito curto pelos produtores, que exigiam cinco anos.

Atualmente, em torno de mil famílias brasileiras vivem no departamento (estado) de Santa Cruz. De um total de 700 mil hectares de plantações de soja, 210 mil hectares estão em mãos de imigrantes brasileiros.

¿ Com a nova lei, se quisermos vender nossas propriedades teremos de pedir uma certificação ao Instituto Nacional de Reforma Agrária. Isso representa um controle, já que não poderemos dispor livremente de nossos bens ¿ afirmou Valles.

Para o produtor Nelson Medina, dono de três propriedades rurais na região, ¿o maior medo é que a Bolívia se transforme num Estado socialista¿.

¿ Não somos latifundiários. Eu, por exemplo, emprego 120 pessoas, tenho três propriedades que são produtivas e temo que nossa liberdade de ação seja prejudicada ¿ declarou Medina. ¿ O governo atuou de forma unilateral. O diálogo com La Paz tornou-se impossível.

O empresário brasileiro lembrou que os produtores de soja empregam mais de 250 mil pessoas. O setor representa entre 6% e 7% do PIB boliviano.

¿ Sendo um setor tão importante, uma medida como esta deveria ser fruto do consenso ¿ enfatizou Medina.

Para o presidente da Associação de Produtores de Soja do país, Carlos Rojas, a nova lei ¿busca redistribuir terras com fins políticos, já que todo o processo será controlado pelo governo nacional, sem qualquer participação dos governos regionais¿. A cada dois anos, explicou, o Estado poderá verificar se as terras estão cumprindo sua função econômica e social, ou seja, se são produtivas. Se o Estado considerar que a função não está sendo cumprida, poderá reverter as terras: o produtor perde a propriedade, sem direito a qualquer indenização.

¿ E se tivermos um ano ruim, um desastre natural, uma doença familiar? ¿ perguntou o líder rural boliviano.

Outra preocupação é a autorização para expropriar terras (ao contrário da reversão, na expropriação está previsto o pagamento de indenização) que sejam de utilidade pública ou demandadas por comunidades indígenas ou de camponeses.

¿ Pedimos ao governo que essas comunidades fossem identificadas, mas ficou em aberto. Qualquer comunidade do país poderá alegar que precisa das terras e pronto, seremos expropriados ¿ criticou Rojas.

Nova Constituição será aprovada por maioria absoluta

Além de ter conseguido a aprovação da reforma agrária e de mais de 40 contratos assinados com companhias petrolíferas, entre elas a Petrobras, o governo ratificou as regras de funcionamento da Assembléia Constituinte, questionadas pela oposição. Os artigos da nova Constituição serão aprovados por maioria absoluta (128 votos, de um total de 255), e não por dois terços dos votos. Mais um motivo de preocupação para os produtores rurais.

¿ Há rumores de que o governo (que tem 137 representantes na Assembléia) tentaria limitar o tamanho das propriedades rurais na nova Constituição ¿ disse Valles.