Título: Socos e vaias na posse de Calderón
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Fonte: O Globo, 02/12/2006, O Mundo, p. 47

Presidente do México é obrigado a entrar pela porta de trás da tribuna para prestar juramento

CIDADE DO MÉXICO

Onovo presidente do México, o conservador Felipe Calderón, tomou posse ontem numa cerimônia tumultuada, sem precedentes no país, marcada pela mesma polarização e protestos que paralisaram a capital mexicana após as eleições deste ano e que dão uma idéia das dificuldades que o governante enfrentará. Calderón prestou juramento no Congresso, entre gritos de apoio de partidários e vaias de parlamentares da oposição, enquanto seu adversário, o ex-candidato Andrés Manuel López Obrador, reunia milhares de manifestantes.

¿ Prometo proteger e fazer proteger a Constituição política dos Estados Unidos Mexicanos e as leis que dela emanam ¿ jurou Calderón, rodeado por legisladores do Partido de Ação Nacional (PAN), de direita, que passaram os últimos três dias guardando a tribuna para evitar que políticos do Partido da Revolução Democrática (PRD) se apoderassem dela e inviabilizassem a sessão.

Mesmo assim, o juramento foi parcialmente abafado pelo protesto dos parlamentares do PRD, que com punhos cerrados levantados gritavam: ¿Vai cair, vai cair.¿ Os legisladores do PAN respondiam às provocações, dizendo ¿ele conseguiu, ele conseguiu¿, num embate diante de convidados estrangeiros como o ex-presidente dos EUA George Bush, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, e o príncipe das Astúrias, Felipe de Borbón.

Ao contrário da pompa que costumava marcar as cerimônias de posse de presidentes mexicanos, a de Calderón foi simples, tensa e rápida. Visivelmente nervoso, o novo presidente pôs ele mesmo a faixa presidencial e, depois de cantar o hino nacional, saiu junto com seu antecessor, Vicente Fox , por uma porta atrás da tribuna. Tudo não durou mais do que quatro minutos.

A transmissão começara ainda de madrugada. No primeiro minuto de ontem, numa incomum cerimônia na residência oficial de Los Olivos, Calderón recebeu o cargo de Fox, deixando o juramento e a colocação da faixa para o Congresso. Isso permitiu ao novo presidente ativar imediatamente seu Gabinete de segurança. Logo após, num pronunciamento pela TV, fez um chamado à reconciliação nacional.

¿ Não ignoro a complexidade do momento político que vivemos, mas estou convencido de que hoje devemos pôr um ponto final em nossos desencontros ¿ disse o presidente.

No Congresso, Calderón não usou as entradas laterais, mas uma quase invisível, por trás da tribuna principal da Câmara, a única sob o controle de seus simpatizantes. As outras cinco entradas haviam sido bloqueadas com poltronas. Num clima tenso, menos de duas horas antes do juramento, legisladores dos dois lados haviam trocado socos e virado cadeiras.

¿ Ele entrou na História pela porta de trás ¿ alfinetou a escritora Elena Poniatowska, que trabalhou na campanha de López Obrador como conselheira para a Cultura.

As eleições presidenciais de 2 de julho dividiram o México, com partidos de esquerda alegando fraude. A oposição não reconhece Calderón ¿ um ex-ministro de Minas e Energia de Fox, de 44 anos ¿ e promete emperrar seu mandato de seis anos.

Enquanto Calderón tomava posse, nas ruas seguia a passeata de López Obrador, que perdeu as eleições por pouco mais de meio ponto percentual. Declarando-se ¿presidente legítimo¿, era acompanhado por simpatizantes levando cartazes em que o ex-candidato aparecia com a faixa presidencial. Na marcha entre o Zócalo, a praça central da capital, e o oeste da cidade, López Obrador prometeu não dar trégua a Calderón.

Mais tarde, Calderón voltou a pedir diálogo entre as forças políticas, mas advertiu que ¿não se deixará encurralar¿ pela esquerda. Ele anunciou que dará prioridade ao restabelecimento da segurança no país, onde traficantes de drogas assassinaram mais de 2 mil pessoas em 11 meses, e prometeu mais empregos e reformas para reduzir os gastos públicos. O novo presidente deu 90 dias para a Procuradoria de Justiça e os ministros da área de segurança apresentarem um programa de reorganização das forças para combater o crime.

¿ Esta luta nos custará muitos esforços, recursos econômicos e, provavelmente, vidas humanas, mas estamos decididos a travá-lo ¿ disse.

Nos Estados Unidos, o Departamento de Estado manifestou sua confiança nas instituições mexicanas para lidar com os problemas internos do país e sua disposição para trabalhar com o novo presidente, que, segundo analistas políticos, terá tempos difíceis pela frente.

¿ Calderón enfrenta um mandato muito complicado, dificultado pela oposição de López Obrador, pela insegurança e pela crise social em certas regiões ¿ explicou Antonio Bonifaz, professor de Ciências Políticas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).