Título: É urgente a reforma do Estado
Autor: Leme, Nelson Paes
Fonte: O Globo, 07/12/2006, Opinião, p. 7

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento vêm produzindo documentos, a pedido do Presidente da República, voltados a atender à promessa de campanha, visando atingir a taxa de crescimento mínimo de cinco por cento ao ano para o próximo período de governo. Seria prudente se concentrarem esses ministérios, previamente, na discussão maior, causa de todos os males e desentendimentos dentro e fora do governo: a urgente e inadiável reforma do Estado.

O presidente Lula deveria apostar mais, nesse sentido, no trabalho do ministro Tarso Genro e procurar costurar rápida e eficientemente com a sociedade civil o grande entendimento nacional em torno dessa agenda prioritária, ao invés de assistir a essa interminável esgrima técnico-burocrática entre Banco Central e Planejamento.

O problema brasileiro não é conjuntural, mas claramente estrutural. Também não é de orçamento, mas de gestão, prejudicada esta por defeitos da estrutura centralizadora do Estado brasileiro e por corrupção. Fazer contas de chegar dentro da atual estrutura jurídica, política, fiscal, administrativa, tributária e previdenciária é um exercício repetitivo e cansativo de pura inutilidade, sem se mexer na estrutura federativa, buscando um Estado descentralizado. Mera perda de substância em momento histórico tão crucial e decisivo.

O grande pacto nacional a ser celebrado e para o qual já houve indicação do presidente não pode ser montado apenas com os partidos políticos e com os governadores de Estados. Mas há de ser tecido com as forças produtivas, o pensamento acadêmico, a mídia e as forças de representação da sociedade civil. E passa, prévia e obrigatoriamente, pela consciência de que o Estado chegou ao esgotamento de suas possibilidades político-administrativas. Não apenas na questão orçamentária, mas principalmente em termos de gestão desses orçamentos dentro da atual estrutura centralizada e megalômana herdada do Estado tecnocrático-militar. Isso se agrava ainda mais com a atual organização política, partidária e da representação parlamentar que se desdobra no caos fiscal, tributário e previdenciário a que assistimos.

Este último, na melhor das hipóteses, deverá saltar de um déficit de quarenta para sessenta bilhões até 2010 sob o olhar complacente dos planejadores. Isso depaupera o Estado como um todo e o torna inviável do ponto de vista administrativo.

A reforma política do Estado é prioritária porque pode e deve mexer em sua própria estrutura, criando o Distrito Federado como ente mínimo da Federação, pela simples alteração do art. 18 da Constituição Federal. Essa simples (mas decisiva) mudança viria acompanhada de conseqüente conjunto de medidas orçamentárias, tributárias e previdenciárias de molde a descentralizar o Estado e melhorar a gestão de seus orçamentos, aproximando a fiscalização do cidadão da fonte de decisão e poder, objetivo último do princípio da soberania popular.

Essa descentralização já existe e vem funcionando desde há muito nas mais consistentes democracias ocidentais, tradicionalmente mais eficientes do que a nossa. Para tanto, além do debate coletivo, envolvendo esses setores da sociedade civil, esse trabalho deve ser interdisciplinar e nele não se pode deixar de envolver as suas forças mais expressivas, convocadas pelo poder central, a exemplo dos famosos ¿Pactos de La Moncloa¿, celebrados na Espanha dos anos setenta.

O pensamento acadêmico brasileiro precisa fazer severa autocrítica quanto a essa visão keynesiana de antolhos, definindo de vez o tipo de crescimento econômico que deseja indicar à sociedade civil na celebração dos próximos contratos, quer públicos quer privados, tendo em vista o esgotamento das fontes telúricas de matérias-primas e do preocupante aquecimento global.

Repetir meramente a cantilena inconseqüente de palanque de crescer a taxas chinesas é exercício de pura alienação fantasiosa. Precisamos definir o tipo de crescimento que o país e o planeta hoje suportam e desejam. O Brasil tem oportunidade histórica de oferecer ao mundo um novo pacto e um modelo distributivista alternativo de desenvolvimento sustentável e descentralizado.

NELSON PAES LEME é advogado.