Título: As armas do crime são nacionais
Autor: Bandeira, Antonio e Dreyfus, Pablo
Fonte: O Globo, 09/12/2006, Opinião, p. 7

ACPI sobre Organizações Criminosas do Tráfico de Armas concluiu seus trabalhos. Ouviu o depoimento de mais de cem policiais, militares, fabricantes, especialistas e traficantes de armas presos. A comissão acabou por reunificar os que estavam divididos durante o referendo. Afinal, agora se tratava de investigar o tráfico ilícito de armas. Essa unanimidade foi alcançada graças à orientação imprimida à CPI por seu presidente, deputado Moroni Torgan, de focar no armamento ilegal. Mesmo os que lucram com a sua venda para criminosos ficaram constrangidos de se opor.

Com seu amplo poder de investigação, a CPI teve acesso a informações inéditas. Para consegui-las e analisá-las, contou com a colaboração da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, do Sinarm da Polícia Federal, dos principais fabricantes de armas ¿ Taurus, Rossi, CBC e Imbel ¿ e da assessoria técnica do Viva Rio.

Obtidas pelo deputado Raul Jungmann, informações sobre 34.448 armas ilegais foram reunidas e enviadas para os fabricantes, que conseguiram identificar o primeiro comprador de 10.549 armas apreendidas no Estado do Rio entre 1998 e 2003.

Constatou-se que, antes de serem desviadas, 55% dessas armas tinham registro de venda e que 68% foram legalmente vendidas para lojas estabelecidas. Outras 18% foram vendidas ao Estado, sendo que 71% delas às forças de segurança pública, em especial à PM (59%) e 25% às Forças Armadas. Ao cruzarmos os dados fornecidos pelos fabricantes sobre as armas vendidas em lojas, e desviadas, com as armas rastreadas pelo Sinarm, apuramos que 74% delas foram vendidas a pessoas físicas e 25% a empresas de segurança privada. Ao examinarmos as armas vendidas para quartéis e delegacias, constatamos que muitas eram armas privadas de militares e policiais.

A CPI teve acesso à relação de armas apreendidas pela polícia, não apenas no Estado do Rio, mas também no Estado de São Paulo e Brasília, entre 2003 e 2006, totalizando 146.663 armas. Essa amostragem revela o perfil das armas usadas pelos criminosos no país, destruindo alguns mitos: a imensa maioria das armas confiscadas é de fabricação nacional (87% no DF, 78% no RJ e 85% em SP); percentual importante, que chega a 37% no DF, é de arma registrada, legalmente comprada, demonstrando que bandido não usa apenas arma ilegal; e há predomínio esmagador das armas curtas, como revólveres e pistolas (85% no DF e RJ, e 91% em SP), e não armamento pesado, o que fez o deputado Jungmann concluir que ¿fuzis e outras armas poderosas são freqüentes nos confrontos envolvendo traficantes, como nas favelas do Rio. No resto do país, o que ameaça o cidadão é a arma pequena e brasileira. Muito mais fácil de ser controlada, porque produzida e desviada aqui dentro.¿

A CPI produziu o mapa mais completo das armas que se calcula estejam nas mãos da criminalidade, estimadas em 3,9 milhões. Ao contrário de outras CPIs, que acabaram em pizza, a CPI das armas gerou prisões, apresentou dezenas de sugestões e fez 18 propostas. Dentre elas, exigiu o cumprimento do Estatuto do Desarmamento, que determina a integração do banco de dados das Forças Armadas com o do Sinarm; sugeriu a marcação de toda munição vendida no Brasil, para que possa ser rastreada; e propôs que as armas de coleção sejam desativadas, para não serem usadas pelo crime depois de roubadas.

É verdade que, por ingerência do lobby, desistiu de transferir o controle do comércio de armas do Exército para a Polícia Federal, apesar de termos visto como a fiscalização precária das lojas as tornou o principal canal por onde passa o armamento que vai abastecer os delinqüentes. Mas, considerando-se os ganhos, houve grande avanço no diagnóstico e nas propostas de combate ao tráfico. Como disse o relator, deputado Paulo Pimenta, ¿a CPI cumpriu sua missão. Esperamos que o governo tome as medidas por nós recomendadas para desarmar a bandidagem¿.

ANTONIO BANDEIRA e PABLO DREYFUS são pesquisadores do Viva Rio e MARCELO NASCIMENTO é pesquisador do Iser