Título: O passado continua vivo. O pinochetismo continua forte
Autor:
Fonte: O Globo, 11/12/2006, O Mundo, p. 20

BUENOS AIRES. Em julho de 1976, a ditadura de Augusto Pinochet seqüestrou o pai da escritora chilena Patricia Verdugo, cujo corpo foi encontrado no rio Mapocho, em Santiago. Na década de 80 Patricia escreveu ¿A caravana da Morte¿, livro que foi peça-chave num dos principais processos contra o ex-ditador. ¿Teria querido que morresse num país que tivesse recuperado sua dignidade¿, disse Patricia em entrevista exclusiva ao GLOBO.

O que a senhora sentiu quando soube que Pinochet havia falecido?

PATRICIA VERDUGO: Quando vi escrito na TV ¿Pinochet morreu¿, me escaparam algumas lágrimas. Não consegui evitá-las. Meu choro refletiu minha tristeza pelas vítimas da ditadura, entre elas meu pai. E também refletiu minha profunda raiva pela impossibilidade de fazer justiça. Ele morreu coberto pelo manto protetor da impunidade.

Que lugar a senhora considera que Pinochet deveria ocupar na história de seu país e que lugar acredita que finalmente ocupará?

VERDUGO: Espero que a maior parte de meu país aceite que Pinochet representa o episódio mais trágico da história do Chile e que teve a responsabilidade pessoal de conduzir uma ditadura criminal. Disso depende que a tragédia não se repita no futuro.

A senhora perdeu seu pai durante a ditadura. Como teria desejado que Pinochet chegasse ao fim de seus dias?

VERDUGO: Durante toda a transição (democrática), a partir de 1990, lutamos para que Pinochet fosse julgado pelos crimes que cometeu. Com a ajuda da Espanha e dos Estados Unidos, conseguimos submetê-lo a processos judiciais. É muito frustrante não ter alcançado as condenações que esperávamos. Queria que tivesse morrido num país que tivesse recuperado sua dignidade e para isso era condição indispensável fazer justiça.

A senhora escreveu um livro que foi peça-chave em um dos processos contra Pinochet. Ter feito isso a reconfortou de alguma maneira?

VERDUGO: Não. Continuaremos escrevendo para que não seja esquecido.

A senhora considera que a família de Pinochet deveria pagar pelos crimes cometidos pelo ex-ditador?

VERDUGO: Não, sua família deverá responder por atos ilícitos se for responsável por eles.

Pinochet morreu durante a Presidência de Michelle Bachelet, uma ex-presa política torturada pela ditadura. Esse fato indica que o passado foi superado?

VERDUGO: Simplesmente destaca as contradições. O passado continua vivo. Basta ver as manifestações apaixonadas em frente ao Hospital Militar, assim como no centro de Santiago, de pessoas chorando a morte do ditador.

É doloroso ver que muitas pessoas estão chorando pela morte do ex-ditador?

VERDUGO: Elas têm direito a expressar seus sentimentos. O que me dói é a ambivalência das autoridades do Estado. A ministra da Defesa representará o governo no funeral e serão oferecidas honras militares. Honras militares para quem ordenou assassinar seu antecessor, o general Carlos Prats, em Buenos Aires?

Uma das últimas declarações de Pinochet foi ¿não sinto ódio contra os que me acusam na Justiça¿. O que a senhora pensou quando ouviu?

VERDUGO: Pensei que não era verdade. Ele foi um homem de paixões e teria desejado exterminar todos os dissidentes.

Hoje (ontem) começa uma nova etapa para o Chile?

VERDUGO: Não. O pinochetismo continua sendo forte na medida em que o Chile se rege por uma Constituição aprovada por Pinochet e a lei de anistia aprovada por ele. Resta muito a ser feito para realmente democratizar o país.