Título: A segunda reprovação
Autor: Brígido, Carolina e Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 12/12/2006, O País, p. 3

Esclarecimento não basta e técnicos do TSE rejeitam de novo contas da campanha de Lula

Mesmo após os esclarecimentos prestados pela campanha da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo PT, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomendou novamente a rejeição das contas do candidato e de seu comitê financeiro. O relatório técnico do tribunal será julgado em sessão plenária hoje à noite, quando os ministros do TSE deverão adotar uma decisão também política, uma vez que há divergências entre eles sobre a possibilidade de se aprovar as contas de Lula com ou sem ressalvas. Ou simplesmente rejeitá-las. Qualquer que seja o resultado, a diplomação de Lula está marcada para quinta-feira.

O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio de Mello, disse ontem à noite em São Paulo ser contrário à aprovação com ressalvas das contas do presidente. Para ele, o TSE deve aprovar ou rejeitar as contas, sem meio termo.

¿ Não há espaço para coluna do meio. Amanhã (hoje), ou se aprova ou se desaprova. Já houve oportunidade para a correção de erros. Agora, o que pode surgir é alguma irregularidade insanável, como uma captação ilegal de recursos para a campanha ¿ disse o ministro, ressalvando que falava em tese e se negando a antecipar sua posição para a sessão de hoje.

Segundo Marco Aurélio, qualquer que seja a decisão, a diplomação está garantida.

¿ Mesmo que as contas sejam desaprovadas, não há óbice para a diplomação. Se desaprovar, as contas vão para o Ministério Público, que avaliará se abre ou não uma ação por abuso do poder econômico na campanha ¿ disse Marco Aurélio, que ontem à noite participou, ao lado do presidente Lula, da solenidade de entrega do prêmio do ¿Brasileiro do Ano¿, promovido pela Editora Três, que edita a revista ¿IstoÉ¿. O presidente recebeu o prêmio principal e Marco Aurélio, o de ¿Brasileiro do Ano na Justiça¿.

Os técnicos do TSE consideram que houve infração grave na prestação de contas. A principal delas, de acordo com o relatório do órgão, foi o recebimento de cerca de R$10 milhões em doações feitas por oito empresas concessionárias e/ou controladoras de serviços públicos, proibidas pela legislação eleitoral de contribuir com campanhas políticas.

Falta comprovação para R$1,5 milhão

Além disso, segundo o parecer técnico, a campanha apresentou despesas de R$1,5 milhão sem a apresentação de notas fiscais que comprovem a natureza dos gastos. Para completar, a candidatura acumula uma dívida de R$10,3 milhões com fornecedores, que deverá ser assumida pelo PT.

Até as eleições de 2002, havia no TSE a prática de aprovar, com ressalvas, contas com esse tipo de irregularidade. Os advogados do PT têm esperança de que os ministros da Corte adotem essa solução. Também há a possibilidade de se encontrar brechas na lei para livrar Lula do constrangimento de ter as contas reprovadas.

Segundo advogados especialistas em legislação eleitoral, mesmo que as contas sejam rejeitadas pelo TSE ¿ conclusão improvável para a sessão de hoje ¿ Lula poderá ser diplomado e empossado no cargo. Caso essa possibilidade ocorra, caberá ao Ministério Público entrar com uma ação na Corte, pedindo a cassação do mandato do presidente da República.

¿ A aprovação das contas não é condição para a diplomação. O Ministério Público, se achar que o motivo que levou à eventual rejeição das contas é relevante, pode pedir depois a cassação do mandato ¿ disse o advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE.

Semana passada, Marco Aurélio chegou a cogitar o atraso na diplomação e na posse de Lula, se as contas fossem rejeitadas.

No parecer preliminar emitido semana passada, os técnicos do TSE detectaram que havia na prestação de contas feita pela campanha dívidas de pelo menos R$9,8 milhões e doações irregulares que somavam R$9 milhões. O órgão pediu para que os responsáveis pela campanha esclarecessem dúvidas.

Os argumentos, porém, não convenceram. O novo parecer técnico revela irregularidades ainda maiores nesse quesito, no valor de R$10 milhões. A diferença entre as cifras expressas nos dois relatórios corresponde a uma doação da empresa Carioca Christiani Nielsen Engenharia S/A, que teria participação na Concessionária Rio Teresópolis (CRT) desde o início de julho de 2006. Na retificação, os representantes da campanha argumentaram que as duas empresas não tinham ligação, mas não conseguiram comprovar a tese.

Segundo o artigo 24 da Lei das Eleições, é vedado a partidos e candidatos ¿receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie procedente de concessionária ou permissionária do serviço público¿.