Título: Uma figura além de seu tempo
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 12/12/2006, O Mundo, p. 32

A imagem dos grandes homens deve ir além da capacidade de perspectiva de seus contemporâneos. Há mais de dois mil anos, Marco Antonio teve que defender o recém-assassinado César das detrações de seus concidadãos (¿o mal que os homens fazem sobrevive a eles; seu bem é frequentemente sepultado junto a seus ossos¿). Há 200, a imprensa francesa (¿Le Moniteur¿) qualificava de ¿monstro¿ o derrotado Bonaparte. E há pouco mais de 160, O'Higgins, nosso hoje glorificado Libertador e Pai da Pátria, morria exilado em Lima. Em todos esses casos, o juízo definitivo da História foi finalmente mais benevolente que o de seus contemporâneos. Igual acontecerá com Augusto Pinochet.

Ele assumiu o país frente a desafios gigantescos. A ameaça de guerra no norte, nos anos de 1973 e 1974, obrigaram seu governo a reprimir uma poderosa guerrilha interna (dez mil ou mais civis armados e 13 mil estrangeiros, segundo Frei Montalva e Aylwin). Ela foi, sem dificuldades, derrotada com um saldo de baixas surpreendentemente pequeno (2.774 pela ação das Forças Armadas e 423 pela violência extremista). E, ainda, grande parte das baixas (2.244) ocorreu justamente entre 73 e 74, anos depois dos quais o país se pacificou.

Em 1978, noutro momento à beira da guerra, desta vez por causas externas, Pinochet conduziu com pulso forte a defesa de seu território, que se manteve íntegro e intacto.

À ruína econômica herdada da Unidade Popular, somava-se a crise do petróleo de 1973, com efeitos devastadores. Mas, já em 1976, ambas foram superadas. E o Chile foi o primeiro país latino-americano a deixar a nova crise dos anos 80. A economia aberta, as privatizações, as reformas trabalhista e previdenciária foram políticas de seu governo, admiradas e imitadas. Pinochet ¿transformou o Chile na mais próspera economia da América Latina¿ (¿The Wall Street Journal¿), com alto crescimento e retrocesso da pobreza. Bill Clinton a chamou de ¿a jóia mais preciosa da coroa latino-americana¿.

Mas a esquerda odeia Pinochet porque ele frustrou a tentativa de transformar o Chile numa Cuba e, em conseqüência, fez do país uma nação moderna da América Latina. Cientes de que, depois de seu governo, haveria uma perseguição ilegal e sem misericórdia da esquerda para privá-lo de sua liberdade e de seu patrimônio, os admiradores de sua obra ¿ entre eles, William Albritton, presidente do banco Riggs ¿ trabalharam para pôr a salvo no exterior parte de suas posses. Muitos lhe fizeram doações. Porém, esquerdistas americanos aproveitaram a Lei Patriótica, aprovada depois do atentado contra as Torres Gêmeas, para investigar suas contas. Contudo, como disse seu advogado, Pablo Rodríguez, não há um único centavo de origem duvidosa nelas.

Almoçando com amigos ¿ eu entre eles ¿ poucos dias antes de sua morte, Pinochet declarou: ¿Juro pela memória da minha mãe que nunca gastei um peso que não me pertencia¿.

Muitas pessoas se afastaram quando se iniciou a campanha contra ele e algumas se juntaram a ela. Mas nenhuma será necessário para que Pinochet, mais cedo ou mais tarde, seja reconhecido como o estadista chileno mais importante e bem-sucedido do século XX. Como disse o historiador Gonzalo Vial, sua imagem é daquelas que os americanos descrevem como larger than life (maior do que a vida) e a afirmação da mesma parece já ter começado.

HERMÓGENES PÉREZ DE ARCE é advogado, jornalista e ex-deputado e escreveu para o ¿El Mercurio¿, que integra o Grupo de Diarios America