Título: Morte revela divisões profundas no Chile
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 12/12/2006, O Mundo, p. 32

Boa parte do país ainda apóia atitudes de Pinochet, enquanto defensores de direitos humanos se ressentem com falta de punição

BUENOS AIRES. A morte do ex-ditador Augusto Pinochet revelou as profundas divisões que existem na sociedade chilena. Embora o país tenha recuperado sua democracia há mais de 16 anos, as vozes a favor da ditadura ainda não se calaram. Uma parte expressiva da população continua justificando e defendendo as ações de Pinochet, apesar da enxurrada de processos judiciais que o envolvem. Segundo explicou ao GLOBO a cientista política chilena Ángeles Fernández, diretora da Fundação Chile 21, ¿Pinochet ainda tem a capacidade de dividir os chilenos, esse é um dos paradoxos de nossa transição democrática, uma transição que foi negociada entre os partidos políticos e os militares¿.

De acordo com pesquisas realizadas nos últimos anos no país, disse a analista chilena, cerca de 39% da população afirmam que Pinochet foi um bom líder.

¿ Em 2003, antes da descoberta das contas secretas de Pinochet no Riggs Bank, quase 80% dos chilenos sentiam que Pinochet ainda tinha grande influência política e social. Isso não aconteceu, por exemplo, com Franco na Espanha ¿ assegurou Fernández.

Na visão da analista, a forte influência do ex-ditador está diretamente relacionada ao poder econômico da direita.

¿ A direita chilena é dona dos principais meios de comunicação, de universidades, de colégios, enfim, tem recursos para alimentar uma cultura política que favorece a imagem de Pinochet. Aqui até mesmo o Exército tem uma universidade ¿ diz.

Ontem, nenhum dos principais jornais chilenos se referiu a Pinochet como ¿ditador¿.

¿ Com todo o poder econômico em suas mãos, a direita construiu uma hegemonia cultural muito forte e que se torna evidente quando tentamos discutir questões como as leis de divórcio (aprovada há dois anos) e aborto ¿ diz a analista.

Ex-colaboradores e mulheres entre admiradores

A figura de Pinochet é especialmente idolatrada, disse Fernández, por mulheres de mais de 50 anos, pessoas de baixo nível educacional e ex-colaboradores do governo militar. É importante destacar, lembrou ela, que assim como 40% da população ainda consideram Pinochet um bom líder, 43% dos chilenos apoiaram o ex-ditador no plebiscito que marcou o fim do regime militar, e cerca de 46% votaram pelo candidato direitista Sebastián Piñera, do partido Renovação Nacional (RN), nas eleições presidenciais do ano passado.

¿ Estamos falando sempre do mesmo setor da sociedade. São pessoas muito conservadoras que assim como lamentam a morte de Pinochet jamais aprovariam uma lei sobre o aborto.

A existência de opiniões tão divergentes dentro de um país é frustrante para defensores dos direitos humanos, que há anos lutam para que os crimes de Pinochet e colaboradores sejam julgados e condenados pela Justiça. Para Mireya Garcia, vice-presidente da Associação de Familiares de Presos Políticos Desaparecidos, ¿não deixa de nos surpreender que tantas pessoas continuem justificando as barbaridades cometidas.¿

¿ Vendo o que estamos vendo, fica claro que não existe possibilidade de reconciliação no Chile ¿ lamentou Garcia.

Ontem, importantes dirigentes políticos da direita participaram do velório na Escola Militar. Segundo a analista da Fundação Chile 21, muitas outras pessoas que não foram pessoalmente ao velório nem irão hoje ao enterro continuam achando que ¿Pinochet salvou o Chile do comunismo e que por isso deve ser considerado um herói¿.

¿ Nossas contradições são muito chilenas, fazem parte de um processo político e social muito nosso. Aqui o ditador não foi banido do palácio de governo, ele negociou sua saída com os partidos políticos, passou a ser senador vitalício e continuou sendo chefe do Exército. Isso explica muito do que estamos observando neste momento ¿ enfatizou Fernández.

Em entrevista à CNN, há alguns anos, o ex-ditador assegurou ter evitado a vitória do comunismo e disse não se sentir responsável pelos crimes cometidos, segundo ele, por colaboradores. ¿Você se sentiria culpada por algo feito por seu vizinho?¿, perguntou Pinochet à jornalista.

Economia é principal preocupação dos chilenos

Essa interpretação do que ocorreu no Chile entre 1973 e 1990 ainda é defendida por muitos chilenos que, segundo a analista da Fundação 21, pouco se interessam por casos de violações dos direitos humanos e desfalques ao Estado.

¿ Temos muitas pesquisas recentes que mostram o que realmente preocupa muitos chilenos: segurança e bem-estar econômico. O resto é o de menos ¿ concluiu Fernández.