Título: China: embrião democrático em pleitos locais
Autor: Jr. Scofield, Gilberto
Fonte: O Globo, 17/12/2006, O Mundo, p. 42

País escolhe parlamentos regionais de forma direta, mas restante das votações é controlado pelo governo

PEQUIM. Shi He¿an, de 52 anos, acaba de cumprir sua jornada como diretor-geral do Departamento de Orçamento de Finanças da Academia Chinesa de Ciências Sociais e vai para a reunião do Congresso do Distrito de Dongcheng, um dos 18 que compõem Pequim. Ele não reclama e acha que, como cidadão, essa é a sua missão.

¿ Estamos discutindo o impacto do fechamento de uma escola que tínhamos perto da academia. Os pais estão preocupados com a qualidade do ensino na nova unidade ¿ diz ele.

Shi He¿an foi eleito no dia 8 de novembro pelos mais de três mil funcionários da academia para seu segundo mandato de cinco anos como deputado na câmara distrital de Pequim. Pelo menos 40 dias do ano são dedicados ao trabalho, que na China não é remunerado e é considerado um emprego de meio expediente. Ele cumpre suas tarefas feliz.

¿ É um dever de cada cidadão chinês ¿ diz.

De julho de 2006 até dezembro de 2007, cerca de 900 milhões de chineses elegerão representantes nas câmaras locais. A escolha direta dos membros dos parlamentos locais ¿ que têm como única obrigação reunir-se ao menos uma vez por ano ¿ é o ápice do incipiente sistema democrático chinês.

A partir daí, a votação é indireta, com câmaras locais ¿ sob orientação das lideranças comunistas ¿ indicando deputados que vão formar as câmaras das cidades maiores e dos condados, que por sua vez indicam os das províncias, que por fim indicam os representantes do Congresso Nacional do Povo.

Em Pequim, a votação ocorreu dia 8 de novembro e mobilizou a imprensa. Nada menos que 8,5 milhões de moradores elegeram 4.403 deputados para câmaras de 18 distritos e outros 10 mil para as cidades e vilarejos que formam a Grande Pequim.

O presidente da China, Hu Jintao, foi fotografado votando em seu distrito e o sufrágio comemorado com entusiasmo como ¿manifestação da democracia socialista chinesa¿. Pelo menos cada universidade, grande empresa e associação de classe tem um representante na câmara local.

¿ Os congressos locais são o embrião da administração pública ¿ explica Zhang Yue, vice-diretor do Comitê Permanente do Congresso Popular de Pequim. ¿ Eles avaliam o desempenho dos administradores públicos e têm o poder de substituí-los, se for o caso. São os congressos locais que sentem os desejos primeiros dos moradores das pequenas cidades e são importantes no processo decisório na China.

Na prática, a coisa não funciona bem assim, ainda que, em muitos vilarejos, as câmaras locais estejam cada vez mais ativas na pressão que fazem sobre dirigentes na fiscalização do uso do dinheiro público. Em 2004, um caso clássico ocorreu no vilarejo de Taishi, província de Guangdong, com repercussão internacional. Os moradores e integrantes do congresso local chegaram a exigir, com uma série de manifestações de rua e choques com a polícia, a saída do administrador da vila indicado pelo Partido Comunista, Chen Jinsheng, acusado de desviar dinheiro público. Não adiantou, mas o governo de Pequim interveio e obrigou Chen a voltar atrás em suas decisões.

No geral, no entanto, o que se vê é um processo decisório de cima para baixo, controlado pelo Partido Comunista através das secretarias locais. As câmaras, de todos os níveis, costumam é chancelar as decisões dos administradores do Executivo, todos ligados ao partido.

A votação não permite propaganda dos candidatos, que são obrigados a apresentar suas propostas e justificar por que querem concorrer em eventos organizados pelos comitês eleitorais das câmaras locais. Mas existem limites para números de candidatos por área, o que exige várias reuniões até que se chegue aos candidatos finais.

¿ Não podemos admitir propaganda porque os candidatos ricos certamente ganhariam ¿ justifica Zhang Yue.

Pode ser. Mas o processo é coalhado de imperfeições. Como as regiões eleitorais possuem muita gente inscrita, é raro que desses encontros de apresentação dos candidatos participem 100% dos eleitores registrados.

Segundo Zhang Yue, os deputados locais não têm salários e sequer vivem da atividade parlamentar. Têm outros empregos e se reúnem para analisar a situação das regiões onde moram voluntariamente. O congresso local elege um comitê permanente que, este sim, reúne-se com freqüência para tratar dos assuntos de interesse da comunidade. Mais ou menos como o maior parlamento do país, o Congresso Nacional do Povo.