Título: Os pacientes devem definir seus limites
Autor:
Fonte: O Globo, 22/12/2006, O Mundo, p. 44

ROMA. Ignazio Marino é cirurgião e senador do Partido dos Democráticos de Esquerda (ex-PCI). Como médico e presidente da Comissão de Higiene e Saúde do Senado, visitou Piergiorgio Welby há dois dias, segundo contou ao GLOBO.

A última carta que Welby conseguiu ditar foi para o senhor. Como está vivendo essa emoção?

IGNAZIO MARINO: Com o mesmo sofrimento que resultou da conversa que tive com Welby. E com grande gratidão, também. Ele me ajudou a entender a alma humana. E me lembrou, mais uma vez, os motivos que me levaram a estudar medicina e a aceitar o papel político que estou desempenhando agora.

O senhor escreveu uma carta, pedindo que Welby esperasse mais dois dias. Foi surpreendido com a sua morte?

MARINO: Infelizmente, estava preparado para essa notícia. Os doentes que se recusam a utilizar as tecnologias para prolongar a vida devem ser atendidos. O caso de Welby era um caso de excesso de esforço terapêutico. Não foi eutanásia, ninguém deu a Welby uma substância letal, ninguém o matou. Foi suspenso o uso de um aparelho externo, deixando o paciente morrer de modo natural. Ninguém pode obrigar uma pessoa a viver contra a sua vontade.

O senhor tentou fazer Welby mudar de idéia, quando conversou com ele?

MARINO: Welby era um homem com uma vida intelectual rica. Tentar convencê-lo seria uma falta de respeito à sua inteligência. Viveu seu drama com coragem: quando lhe perguntei por que tinha tomado a decisão de morrer, me respondeu que aquilo que ele estava vivendo não era vida: vida quer dizer poder levantar da cama, caminhar, respirar sem um aparelho mecânico que faça isso por você. Sem isso, a vida não vale a pena. Para não falar da dor, que é outro elemento terrível.

Num país católico como a Itália, o senhor acha que será possível aprovar uma lei para regularizar a eutanásia?

MARINO: Eu sou católico. Acho que o fato de ser um país católico não impede uma decisão sobre uma questão que é dramática para tanta gente. Mais do que falar em eutanásia, é importante definir os limites da terapia, e são os pacientes que devem decidir qual é esse limite. Hoje temos técnicas para manter vivos mesmo pacientes em situações muito críticas. A medicina mudou muito nos últimos 30 anos. A lei precisa refletir essa evolução.