Título: Economia e alianças são fontes de atrito
Autor: Camarotti, Gerson e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 27/12/2006, O País, p. 3

Presidente foi alvo do fogo amigo do partido desde que assumiu, em 2003

Na China não tem partido e, quando o presidente manda, todo mundo obedece. Aqui, nem o PT me obedece. Descontada a gafe sobre o sistema político do país asiático, o desabafo de Lula, em encontro com representantes de movimentos sociais no último dia 13, foi o capítulo mais recente de uma relação tumultuada entre presidente e partido desde o início do governo, em 2003.

Hábil para unir os companheiros nas campanhas eleitorais, Lula passou a ser alvo constante de fogo amigo desde que assumiu o poder, há quatro anos. A pressão vem de petistas insatisfeitos com o pragmatismo na política econômica, as alianças com partidos conservadores e o apoio a reformas polêmicas, como a da Previdência.

Os atritos começaram em fevereiro de 2003, quando a senadora Heloísa Helena (AL), então no PT, recusou-se a votar em José Sarney (PMDB-AP) para presidente do Senado. Iniciava-se ali uma queda-de-braço entre o governo e os chamados radicais petistas, que culminaria em dezembro com a expulsão de Heloísa e dos deputados Luciana Genro (RS), Babá (PA) e João Fontes (SE) do partido.

¿ Quem está me expulsando não é o PT socialista e democrático que eu ajudei a construir, mas sim o PT reacionário ¿ reagiu Heloísa, acusando a cúpula partidária de abandonar as bandeiras históricas da legenda.

¿ Esse é o programa do PSTU, não o do PT ¿ retrucou o senador Aloizio Mercadante, então líder do governo no Senado.

O expurgo dos radicais não foi suficiente para debelar as dissidências no PT. Instalado no comando petista depois de perder a eleição para o governo de São Paulo, em 2002, o ex-deputado José Genoino teve trabalho para conter as críticas à política econômica do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Egresso do PSDB, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também foi alvo freqüente da esquerda do PT.

A necessidade de abrir espaço para outros partidos obrigou petistas a engolir a nomeação para o Ministério de adversários históricos do partido, como o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que assumiu a Previdência em 2005 sob suspeita de crime eleitoral. No início deste ano, ele substituiria Mercadante como líder do governo no Senado.

Campo majoritário continuou no poder, mesmo depois da crise

O escândalo do mensalão abriu novas feridas no PT. Liderado pelo deputado Chico Alencar (RJ), hoje no PSOL, um grupo de parlamentares lançou o Bloco de Esquerda para cobrar a instalação da CPI dos Correios, contra a vontade do governo. Líder da tendência Democracia Socialista (DS), o ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont aproveitou para pedir a queda de Palocci e Meirelles. Abatido pelas denúncias, Lula saiu em defesa do partido.

¿ Eu tenho o PT como um filho ¿ disse, antes de admitir o uso de caixa dois em campanhas eleitorais.

As denúncias derrubaram Genoino da presidência do partido, mas o Campo Majoritário, ligado a Lula, manteve o comando do PT com a eleição de Ricardo Berzoini, depois de um mandato-tampão do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro.

A disputa eleitoral voltou a acirrar os ânimos na legenda. A esquerda petista comemorou as mudanças no discurso de Lula, que passou a criticar as privatizações de Fernando Henrique no segundo turno. Com a reeleição garantida, Lula recuou e começou a pregar um governo de coalizão, irritando quem sonhava com uma guinada à esquerda no segundo mandato.