Título: Aliança governista atravessa crise no Chile
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 31/12/2006, O Mundo, p. 36

Escândalos de corrupção põem em xeque coalizão de centro-esquerda que comanda o país desde 1990

BUENOS AIRES. A aliança entre socialistas e democratas-cristãos, a chamada Concertação, que governa o Chile desde 1990, está mergulhada na crise mais grave de sua história. O conflito, desencadeado por uma sucessão de denúncias de corrupção que envolvem membros da aliança governista, ainda não abalou a imagem do governo da presidente Michelle Bachelet. No entanto, alertaram analistas locais ouvidos pelo GLOBO, o mais provável é que a crise continue se aprofundando e termine prejudicando o futuro da Concertação e os três anos restantes de gestão que Bachelet ainda tem pela frente.

O estopim da crise chilena foi uma denúncia de corrupção no Chiledeportes, espécie de Ministério dos Esportes, que teria desviado recursos destinados a programas sociais para financiar partidos políticos e campanhas eleitorais. Uma das grandes incógnitas que predominam no país é saber se a campanha de Bachelet foi financiada com dinheiro do Estado chileno. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público e, até o momento, dois dirigentes e um congressista da Concertação foram processados.

Confissões de governistas complicam situação

A crise alcançou seu auge nas últimas semanas, quando importantes membros da aliança governista confessaram que seus partidos já receberam ajuda financeira oficial. Jorge Schaulsohn, ex-presidente do Partido pela Democracia (PPD, que também integra a Concertação), assegurou que o governo destina gastos que constam como reservados para financiar os partidos da aliança governista e campanhas eleitorais de seus candidatos. Schaulsohn decidiu abrir o jogo, afirmou que existe uma "ideologia da corrupção instalada na Concertação" e terminou sendo expulso do partido que ajudou a fundar.

Em meio à troca de acusações entre membros do PPD, socialistas e democratas-cristãos, surgiu uma série de divergências que aumentaram ainda mais o clima de tensão entre os membros da Concertação. A aliança de governo chilena não conseguiu chegar a um acordo sobre questões importantes como um projeto de lei que legaliza o aborto (apresentado pelos socialistas e rechaçado pelos democratas-cristãos) e a posição que devia ser adotada pelo país na eleição dos novos membros não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (alguns setores da Concertação defendiam a candidatura da Venezuela, e outros não).

- Esta é a crise mais grave da Concertação, mas não podemos falar no fim da aliança. O que é provável é que pela primeira vez tenhamos dois candidatos nas próximas eleições presidenciais - afirmou Guillermo Hollzman, professor da Universidade do Chile.

Para o diretor do Centro Internacional para a Qualidade da Democracia, Ricardo Israel, "o governo não foi abalado porque a presidente não se envolveu nos escândalos de corrupção". Já a oposição "continua sem ser uma alternativa de governo porque seus líderes não conseguiram capitalizar a crise".

- O grande problema da oposição é que aqui não houve uma renovação da cúpula opositora, os líderes da direita continuam sendo vistos como herdeiros de (Augusto) Pinochet - assegurou Israel.

O grande teste da Concertação, afirmaram os analistas chilenos, serão as eleições regionais de 2008.

- O governo precisa resolver a questão do financiamento das campanhas e dos partidos, falta transparência. Os processos certamente vão continuar avançando e Bachelet poderia ser prejudicada - disse Hollzman.

Em novembro passado, a presidente chilena anunciou um pacote de medidas de combate à corrupção. Bachelet evitou comentar o caso Chiledeportes, mas assegurou que em seu governo "se chega e se sai com as mãos limpas" e disse que não admitirá "qualquer desvio de recursos fiscais".

Alguns integrantes da Concertação admitiram que a crise é grave e chegaram a falar em dissolução da aliança governista.

- Se continuarmos assim, o risco de que termine é grande. Basta ver o que estamos vivendo todos os dias - disse o senador democrata-cristão Jorge Pizarro.

Mas para as figuras de proa da Concertação, o fim da aliança não pode ser sequer cogitado.

- Nunca houve na História do Chile uma aliança tão bem-sucedida porque, acima de encontros e desencontros, a Concertação está profundamente instalada na alma nacional - declarou o ex-presidente Ricardo Lagos, um dos políticos mais populares do país.