Título: Mesmo morto, Saddam divide o Iraque
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Fonte: O Globo, 01/01/2007, O Mundo, p. 27

BAGDÁ. Saddam Hussein está morto, mas seu legado está mais vivo do que nunca.

Enquanto os iraquianos em todo o país despertavam sábado com a notícia de que o ex-ditador havia sido enforcado, os escombros amargos de seu regime guiavam a reação de cada um.

Para os xiitas, que durante muito tempo foram oprimidos, foi um momento de libertação. ¿Este capítulo da história iraquiana está acabado. Vamos esquecê-lo e viver juntos uns com os outros¿, disse Mowaffak al-Rubaie, conselheiro de Segurança Nacional, à TV iraquiana na manhã de sábado.

Os árabes sunitas estão céticos. Após três anos de violência e excessos das forças de segurança do governo xiita, a confiança praticamente acabou, e poucos se sentem genuinamente representados pelo governo. A maioria, na verdade, tem medo dele. ¿Não faço parte do mundo deles. Eles não estão falando do Iraque. Estão falando deles mesmos¿, disse Yusra Abdul Aziz, uma professora do enclave sunita de Mansur.

As reações deles mostram o quanto o Iraque se dividiu nos três anos desde a captura de Saddam. E ao mesmo tempo em que ele deixou de ter relevância no dia-a-dia do Iraque, de várias formas o país está vivendo o legado do que ele construiu.

O novo Iraque mostra ser capaz de vivenciar ainda mais abusos brutais. As pessoas desaparecem à noite. Forças do governo agem como esquadrões da morte.

Cruel como era, Saddam manteve o país firmemente unido. Além do controle militar, havia uma união social sutil: os iraquianos de todas as confissões amavam odiar Saddam. Agora que ele se foi, os xiitas têm medo de fazer piadas sobre ele com sunitas, e os sunitas sentem estar sendo acusados por seus crimes.

Ahmed Hillu, um alfaiate de 32 anos, se lembra de ter visto soldados de Saddam executarem a tiros opositores xiitas. Ele tinha 6 anos na época. A área, uma antiga represa chamada Qasr Attash, é um local onde hoje costuma aparecer grande parte dos corpos desovados.

Saddam não poupou quase ninguém em seu reinado de assassinatos, mas os xiitas sofreram de forma particular. Os maus-tratos sistemáticos parecem ter deixado cicatrizes que chegam aos dias de hoje.

Se os xiitas acham que o enforcamento foi um presente, a maioria dos sunitas está revoltada com o que parece ser uma violação da lei iraquiana, já que a execução foi feita no feriado do perdão. ¿Na verdade, estou furiosa¿, disse Yusra Aziz: ¿Não é o momento apropriado. Quem achou que era o momento certo não é iraquiano¿.

SABRINA TAVERNISE é jornalista do ¿New York Times¿