Título: Fundo de petróleo para o Rio
Autor: Cysne, Rubens Berta
Fonte: O Globo, 16/01/2007, Opinião, p. 7

As contas orçamentárias do Estado do Rio embutem hoje em dia um perigo que precisa ser imediatamente neutralizado. Do total aproximado de R$26 bilhões de receitas líquidas correntes previstas para 2007, aproximadamente 26% (R$6,7 bilhões) são oriundas da "conta petróleo", portanto sujeitas em demasia à incerteza decorrente do preço internacional deste produto. As despesas, por outro lado, são líquidas e certas.

Decorre deste desequilíbrio de incertezas entre créditos e débitos fiscais que, quando o preço do petróleo sobe, e com ele as receitas, a despesa corrente acompanha. Mas quando o preço do petróleo cai, e com ele as receitas, as despesas tendem a situar-se em seu pico prévio, gerando graves desequilíbrios orçamentários.

A experiência internacional com este tipo de problema é profícua, e pode ajudar no equacionamento da questão. Rússia e México, a exemplo do que fizera antes o Chile, este com o cobre, contornaram o problema criando fundos de estabilização da receita do petróleo.

Na Rússia, a participação das receitas do petróleo tem se situado em torno de 21% do total das receitas correntes do setor público, portanto abaixo dos aproximados 26% do Estado do Rio. O resultado primário do governo, superavitário quando se consideram as receitas do petróleo, é também sempre considerado e divulgado na ausência de tais receitas, quando então se chega a um número negativo. Tal número tem a vantagem de trazer consigo um alerta permanente sobre a necessidade de cautela nos gastos correntes.

Ainda para fazer frente à insegurança inerente a boa parte das receitas e impedir que os gastos, sempre difíceis de inverter, subam por conta do aumento temporário de receitas, a Rússia criou, em 2004, o Fundo de Estabilização do Petróleo. Sempre que o preço do petróleo ultrapassa determinado preço de referência (atualmente, US$27 por barril), as receitas adicionais decorrentes deste fato destinam-se integralmente ao fundo, não mais sendo consideradas para efeito de cobertura do gasto corrente.

Os recursos do fundo podem ser usados quando as receitas oriundas do petróleo caem abaixo de determinado limite, determinado em razão do preço de referência, para financiar investimentos de grande escala, para pagar a dívida externa - fato que ocorreu em 2005 - ou ainda, excepcionalmente, para fazer frente ao déficit no Fundo de Pensão da Rússia. O fundo alcançou algo em torno de 9% do PIB da Rússia ao fim de 2006.

Tal tipo de procedimento merece ser considerado no caso do Rio de Janeiro. Obviamente, qualquer implementação pressuporia uma análise cuidadosa dos eventuais parâmetros técnicos adequados, como aqueles relativos ao preço de referência, aos limites relacionados à alocação dos recursos do fundo etc. Tais discussões deveriam também levar em consideração as conseqüências estratégicas da criação do fundo sobre a alocação de receitas e despesas federais no Estado do Rio.

No que diz respeito à alocação de receitas, uma opção interessante, que tem a vantagem de propiciar cobertura política à defesa dos recursos constituídos, seria usar o fundo para capitalizar o RioPrevidência, atualmente com elevado déficit. Outra seria a sua destinação a partir de certo montante a investimentos prioritários de interesse do estado, como reforçar a segurança pública pela formação de capital humano e tecnológico; alterar a dinâmica econômica da região de Itaboraí através de um plano de transportes; dar uma forte vantagem competitiva à logística do estado, completando rapidamente o arco rodoviário; ou completar as obras de despoluição da Baía de Guanabara.

Tratam-se, estas, entretanto, de opções políticas, que cabe ao governo decidir, ouvida a população. Do ponto de vista técnico, qualquer destas opções teria a vantagem de impedir que os recursos extras da conta petróleo fossem capturados pelos gastos correntes, encaminhando assim uma solução para o problema subjacente maior: o descompasso entre receitas que são variáveis e despesas que são fixas. Sem austeridade fiscal nos gastos correntes, o estado estará queimando a riqueza do petróleo e não iremos a lugar algum.

(http://www2.fgv.br/professor/rubens/) é professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV.