Título: De Seattle a Nairóbi, uma história com final aberto
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 26/01/2007, Economia, p. 30

Movimento contra o neoliberalismo se divide após viver influência de Lula e Chávez

SÃO PAULO. O desafio está lançado para o Fórum Social Mundial, surgido em Porto Alegre em 2001 como um contraponto a Davos. Para alguns, o chamado ¿Fórum Negro¿, encerrado ontem na África, tocou o réquiem do movimento contra o neoliberalismo. Para outros, é uma estratégia para voltar mais forte em 2009, quem sabe no front de seu maior inimigo, os Estados Unidos. Mas com ou sem reuniões, a grande massa de ativistas do FSM, formada desde Seattle, em 1999, continuará importunando os encontros mundiais do capitalismo. Desde Seattle, com o fracasso da Rodada do Milênio da OMC, em novembro de 1999, organizações da sociedade civil se ¿mundializaram¿ contra o que chamam de globalização neoliberal e hoje atuam em redes mundiais bem organizadas. O MST brasileiro, por exemplo, desde então não age mais sem o aval da sua internacional camponesa, a Via Campesina, sediada em Honduras.

No Brasil de 2001, intelectuais e movimentos sociais ¿ muitos ligados à pré-candidatura do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ encontraram em Porto Alegre, na época governada pelo PT, um porto para começar a ancorar o movimento mundial. Com pouco mais de 20 mil pessoas, organizações de esquerda viam nos movimentos sociais e em líderes como Lula a possibilidade de construir ¿um outro mundo possível¿ ¿ idéia que virou lema do FSM. Lula incorporava as idéias do que passou a se chamar movimento altermundista. Tanto que, em 2002, lançou sua candidatura ao governo em Porto Alegre. O FSM conseguia incomodar Davos, com teleconferências ao vivo entre os integrantes desses dois lados do pensamento sócio-econômico global. Intelectuais como o linguista americano Noam Chomsky, ao lado da inteligência européia, se tornaram as estrelas dos FSM. Em 2003, já com público de mais de 100 mil pessoas e ainda em Porto Alegre, muitas estrelas dividiram seus rumos: eleito, Lula anunciou que também iria dialogar com o ¿inimigo¿ Davos. Os intelectuais da esquerda passaram a se dividir.

O FSM compareceu unido em 2004 na Índia. No Brasil, em 2005, foi realizado com apoio financeiro do governo Lula, que ganhou espaço amplo no evento. Foi quase governista, reclamavam ativistas. O Fórum decidiu se espalhar: em 2006, seria policêntrico, com edições em Caracas (Venezuela), em Bamako (Mali, África) e Karachi (Paquistão, Ásia). Com o desgaste de Lula diante da esquerda, a opção se tornou Hugo Chávez. Mas o presidente da Venezuela transformou o evento em vitrine de seu governo. Isso irritou muitos fundadores, como os brasileiros, que fundaram o FSM e hoje estão quase rompidos com Lula.

Há 12 meses, num restaurante em Caracas, intelectuais que idealizaram o FSM admitiam o racha. Muitos confessavam não acreditar na sobrevivência dos fóruns sem o apoio dos governos ditos de esquerda, que começavam a fervilhar pela América.

¿ Nós, fundadores, estamos velhos. Não sabemos dos que virão depois de nós¿ desabafava José Luiz Del Roio, fundador do FSM e do Fórum Mondiale Delle Alternatives.

Muitos querem resistir. Outros, nem tanto. É uma história ainda sem final.