Título: Saúde, a faceta mais cruel da crise
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 28/01/2007, O País, p. 10

Pacientes aguardam atendimento amontoados, em condições humilhantes

MACEIÓ. Os corredores do Pronto-Socorro de Maceió são, de longe, a faceta mais cruel da falência de Alagoas. Na última quinta-feira, quando O GLOBO percorreu o hospital, dezenas de pacientes aguardavam amontoados por atendimento, acomodados em condições humilhantes em macas, cadeiras e até no chão. Em número insuficiente, os médicos são abordados a todo instante pelos parentes dos doentes, clamando por atenção. Impotentes, os profissionais não têm outra escolha a não ser priorizar os pacientes em situação grave.

¿ Aqui é o inferno ¿ diz, sem rodeios, o diretor do hospital, o cirurgião-geral Tadeu Muritiba, que, diante das dificuldades, deixa as tarefas burocráticas de lado para reforçar as equipes de atendimento.

Os números da saúde no estado ajudam a entender o cenário desolador. O Pronto-Socorro é o único hospital de urgência e emergência de todo o estado, onde 92% da população não têm plano de saúde e depende de atendimento público. Com apenas 149 leitos, o hospital constantemente tem taxa de ocupação de 150%. Além disso, faltam neurocirurgiões, anestesistas e profissionais de outras especialidades.

O quadro é agravado pela precariedade da rede básica de saúde. Nos postos de saúde de Maceió, relata Muritiba, é comum faltarem medicamentos básicos, como soro fisiológico e dipirona. Com isso, o Pronto-Socorro, unidade especializada em traumas, recebe pacientes com todos os problemas imagináveis. No hospital, traumas como atropelamentos e ferimentos causados por tiros são a sétima principal causa de morte. A primeira é o Acidente Vascular Cerebral (AVC).

¿ O AVC pode ser prevenido com tratamento na rede básica, às vezes só com o controle de ingestão de sal. A maioria dos pacientes que estão hoje espalhados pelos corredores não deveriam estar aqui, mas não podemos deixar de atender ¿ diz o diretor.

O Pronto-Socorro tem as únicas oito UTIs infantis de todo o estado. Uma delas, no entanto, é ocupada há 4 anos pela menina Rafaela Barros, de 15 anos, que, por depender de um respirador e atendimento médico constante, não tem como continuar o tratamento em casa. Ela ocupa uma vaga preciosa, mas ninguém pensa em retirá-la de lá. Rafaela se tornou um símbolo da luta pela vida no hospital, e passou a auxiliar os médicos e enfermeiras no atendimento de outras crianças.

A menina tem uma doença neurológica rara que distrofia músculos e órgãos e a impede de deixar a cama. Ela acompanha a movimentação de todo o setor através de um pequeno espelho e chama os médicos quando percebe algum comportamento estranho das outras crianças. Mês passado, mobilizou os profissionais para lançar um livro escrito por ela, onde fala da sua amizade com os médicos, faz relatos impressionantes de mortes que viu pelo espelho e fala do sonho de sua recuperação.

¿Vi um dia na TV um caso de uma moça. Queriam desligar seus aparelhos, a família não deixava e o marido deu ordem para desligar. Eu penso que, se isso fosse comigo, eu não queria que desligassem. Eu quero ficar até o fim¿, conta ela em um trecho.

¿ Para nós que convivemos com ela, cada dia que passa aprendemos uma lição ¿ diz a enfermeira Roseane Farias de Oliveira.

O esforço de Rafaela foi retribuído pela equipe do hospital neste Natal. Na véspera do dia 25, médicos e enfermeiros em horário de folga montaram uma operação para realizar o seu maior sonho: conhecer um shopping center. O passeio foi registrado com sua primeira foto com um Papai Noel.