Título: Greves e descalabro financeiro param Alagoas
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 28/01/2007, O País, p. 10

Desigualdade, corrupção, falta de investimentos e nepotismo fermentaram a crise, que vive seu pior momento.

MACEIÓ. Aos olhos dos turistas que continuam lotando a orla de Maceió, pouca coisa mudou. Mas para os mais de três milhões de alagoanos, os primeiros dias de 2007 trouxeram à tona uma dura realidade: mergulhado em uma profunda crise econômica, política e social, o estado está à beira do colapso. Com as finanças públicas em frangalhos, salários atrasados e mais de 30 mil servidores de braços cruzados, Alagoas é hoje um estado paralisado, incapaz de oferecer serviços básicos como educação, saúde e segurança pública. Mas, apesar de viver agora seus piores capítulos, essa é uma crise em gestação há muito tempo, alimentada pela desigualdade, corrupção, nepotismo em escala industrial e falta de investimentos públicos.

Nas últimas duas semanas, a já precária infra-estrutura do estado emperrou de vez. Com a publicação de um decreto do governador Teotônio Vilela (PSDB), suspendendo aumentos concedidos ano passado por falta de recursos, quase todos os funcionários da educação, saúde e policiais civis iniciaram uma greve geral que já dura 12 dias. O resultado é caótico. Mais de 240 mil alunos estão sem aula e à beira de perderem o ano letivo. O principal hospital de Maceió, conhecido como Pronto-Socorro, de tão superlotado, reproduz um cenário de guerra, capaz de chocar quem conhece o dia-a-dia das emergências cariocas. Doentes estão amontoados pelos corredores e pacientes recém-operados recebem cuidados médicos no chão.

IML vira depósito de cadáveres.

A segurança pública é um capítulo à parte. Há 12 dias, nenhum crime cometido no estado foi registrado nas delegacias, todas de portas fechadas. Apenas os presos em flagrante são recebidos para cumprir a burocracia que permite a transferência deles para as cadeias públicas. No IML, que funciona com apenas 30% da capacidade, o estado é pior: segundo o relato de peritos, por causa do ritmo lento das necrópsias, dois corpos estão sendo guardados em cada gaveta. Mesas e outros espaços livres também viraram depósitos de cadáveres.

¿ Se entrarem dez corpos, só serão feitas três necrópsias. Não tem jeito ¿ diz o vice-presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sindpol), Josimar Melo.

A semana que passou foi de grande tensão no prédio da Secretaria estadual de Fazenda, tomado pelos grevistas assim que os primeiros aumentos foram suspensos. Após cinco dias de ocupação, uma liminar da Justiça autorizou o uso da força para a desocupação do edifício e policiais civis armados, com o auxílio de militantes sem-terra, passaram a vigiar 24 horas por dia as entradas e o terraço do prédio. Terça-feira, um caminhão do Exército com soldados armados se aproximou, a duas quadras do local e, enquanto professores com seus filhos saíam correndo, policiais e sem-terra se preparavam para a guerra. Para o alívio geral, os militares tomaram outro rumo. O episódio ainda não foi esclarecido.

¿ É claro que foi uma provocação. Na hora, sentimos que o pior poderia acontecer ¿ contou a presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação, Girlene Lázaro da Silva.

Durante os nove dias em que a sede da secretaria esteve tomada, os manifestantes guardaram como trunfo o sétimo andar do prédio. Lá, funciona a central de processamento de dados da Fazenda, que controla, por exemplo, a folha de pagamento do estado e a entrada e saída de recursos. Os manifestantes estavam decididos a danificar o equipamento, caso o governo fizesse uma tentativa de desocupação forçada.

¿ Tá todo mundo avisado. Se tiver desocupação forçada, corre todo mundo para lá ¿ contou o presidente da CUT local, Isac Jackson, antes de os manifestantes decidirem deixar o local, quinta-feira, depois que o governo recuou e voltou a depositar os reajustes suspensos.

Secretária é irmã de Teotônio.

O sétimo andar também tinha valor simbólico porque lá funcionava o gabinete da secretária de Fazenda, Fernanda Vilela. Fernanda é irmã de Teotônio Vilela e sua nomeação foi duramente criticada pela oposição. Num trabalho de família, seu marido, João Tenório, assumiu recentemente a vaga de senador, sem conquistar um voto sequer, como suplente de Teotônio.

¿ Ela é altamente competente e advogada respeitada no Brasil ¿ defende-se Teotônio.

As críticas à escolha da irmã vão além do nepotismo de primeiro grau: Fernanda é uma das advogadas mais disputadas pelos donos das usinas de cana-de-açúcar de Alagoas ¿ principal atividade econômica do estado ¿ e João Tenório, um poderoso usineiro. As isenções de impostos ao setor são uma das razões da baixa arrecadação e da fragilidade econômica do estado.

A desigualdade entre os salários pagos pelo estado é outro problema crônico. Os policiais civis, por exemplo, ganham em média apenas 10% dos salários dos delegados ¿ em torno de R$9 mil. O percentual levou os agentes a espalharem, ironicamente, que são garçons de seus chefes. No Judiciário, onde são uma exceção gabinetes sem a presença de parentes, desembargadores chegam a ganhar R$25 mil. Não bastasse, a Assembléia Legislativa discute projeto para dar pensão vitalícia aos ex-governadores do estado.