Título: Leão morde homens de bens
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 04/02/2007, Rio, p. 17

Sonegação leva Receita a multar oito deputados e ex-deputados em R$3,4 milhões

Chico Otávio

Oleão da Receita Federal rugiu alto para a bancada dos sonegadores da Assembléia Legislativa. Na primeira punição decorrente da série de reportagens ¿Homens de bens da Alerj¿, publicada pelo GLOBO em 2004, oito deputados e ex-deputados estaduais já foram notificados de que terão de pagar um total de R$3,4 milhões em bens sonegados e multas, referentes aos exercícios fiscais de 2000 a 2003.

Reeleito para o terceiro mandato como presidente da Alerj, o deputado Jorge Picciani (PMDB) aparece na lista de sonegadores com uma multa de R$1,5 milhão, já lançada pela Receita. O auto de infração de maior valor foi aplicado ao ex-deputado André Luiz: R$1,9 milhão. Completam a relação Átila Nunes (R$770 mil), Coronel Jairo (R$680 mil), Graça Pereira (R$330 mil), José Guilherme Godinho, o Sivuca (R$230 mil), Domingos Brazão (R$130 mil) e Renato da Costa Mello Júnior (R$117 mil).

As reportagens mostraram a evolução patrimonial de deputados do Rio, de 1996 a 2001, e revelaram que 27 registraram um crescimento de mais de 100%. Com base nelas, a Receita instaurou ações fiscais e investigou durante quase dois anos o patrimônio dos políticos citados.

Bens de Picciani cresceram 1.065%

Além da cobrança dos valores sonegados, acrescidos de multas, a Receita encaminhou à Procuradoria Regional da República representações para fins penais. Pelo menos três políticos já respondem a inquéritos no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, a pedido do Ministério Público (que se baseou inicialmente nas notícias publicadas): Picciani, Átila e Brazão.

O trabalho da Receita mostrou que o crescimento patrimonial de Picciani, nos últimos dez anos, chegou a 1.065%. Ex-fiscal de rendas e empresário do setor agropecuário, o parlamentar incrementou o seu patrimônio, a partir de 2001, com a compra de imóveis em Veríssimo (Minas Gerais), Búzios (Rio) e São Félix do Araguaia (no Mato Grosso), com preços que variaram de R$400 mil a R$2 milhões.

Sua fortuna declarada, em 2003, foi de R$3,9 milhões. Nos quatro anos examinados (2000-2003), a evolução foi de 265%. As duas últimas propriedades adquiridas por Picciani, em 2003, foram a fazenda Monte Verde, de 548 hectares, no Triângulo Mineiro, comprada em 2 de maio daquele ano por R$807 mil (ele fora proprietário de uma fazenda também chamada Monte Verde, em Rio das Flores, no Rio), e a casa 5 do condomínio Villa Santorini, na Praia da Ferradura, em Búzios, por R$300 mil, em 6 de outubro.

Picciani também adquiriu 45 mil ações da Agrovás, empresa de Ludwig Amon e Rubens Porto, por R$400 mil, em 2001. No mesmo ano, comprou de ambos a Fazenda Carajás, de quase dez mil hectares, em São Félix do Araguaia, por R$400 mil. Para fins de recolhimento do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), avaliou a fazenda em R$2,1 milhões. Porém, com base nas cotações de imóveis rurais do site www.fazendasperon.com.br, técnicos da Receita concluíram que o valor da propriedade poderia variar até R$60 milhões.

Para adquirir a fazenda no Mato Grosso e as ações da Agrovás, o deputado ofereceu aos empresários algumas de suas propriedades em Rio das Flores: Sítio do Casal, por R$50 mil, Fazenda Saudade (R$300 mil), Sítio São Pedro do Abarracamento (R$50 mil) e Fazenda Santa Maria (R$350 mil). Ao todo, os imóveis trocados somaram R$750 mil.

Primeira eleição de Picciani foi em 1990

Picciani foi eleito pela primeira vez em 1990. Ele atuava politicamente nos bairros cariocas localizados nos limites da capital com Nilópolis. Conseguiu lançar-se candidato a deputado estadual pelo PDT, em dobradinha com Márcia Cibillis Vianna. Um de seus padrinhos era o então prefeito do Rio, Marcello Alencar. Desde então, Picciani foi eleito para cinco mandatos (1991-1995 e 1995-1999, pelo PDT; 1999-2003, 2003-2006 e a partir deste ano pelo PMDB).

Jairo Souza Santos, o Coronel Jairo, teve movimentação financeira entre os anos de 2000 e 2002 dez vezes maior que sua renda declarada. Em relação a Renato Mello Júnior, a Receita identificou uma excessiva atribuição de aplicações como fonte de recursos auferidos, havendo indícios de acréscimo patrimonial não justificado pelos rendimentos declarados. A Receita também encontrou indícios de aquisições de imóveis em operações atípicas e não registradas no nome dele.

Quanto ao deputado cassado André Luiz, os fiscais concluíram que houve um acréscimo patrimonial não justificado pelos rendimentos declarados, bem como excesso de movimentação financeira. Ele adquiriu no período analisado 14 imóveis que seriam a razão do patrimônio a descoberto constatado.

Em relação a Átila Nunes, foi constatado que houve movimentação financeira dez vezes superior ao valor dos rendimentos recebidos pelo político.

Da lista, Picciani, Brazão, Graça Pereira e Jairo foram reeleitos. Renato é vice-prefeito de Guapimirim, André Luiz trabalha na Câmara dos Vereadores, enquanto Átila e Sivuca estão afastados da vida pública.