Título: Outro clima
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 16/02/2007, O Globo, p. 2

Embora derrapando aqui e ali, é preciso reconhecer: o novo Congresso vem apresentando bom comportamento nestas primeiras semanas de funcionamento e está se esforçando para acertar o passo. E não é apenas porque aprovou, nas últimas horas, em sintonia com o desejo da sociedade traumatizada pela tragédia do menino João, projetos endurecendo aspectos do regime penal. O ambiente político mudou para melhor. Vamos ver se dura.

A presidência de Arlindo Chinaglia na Câmara vem surpreendendo positivamente, inclusive os adversários. O plenário ganhou em dinâmica, a condução dos trabalhos vem sendo firme e até os horários, uma coisa rara, vêm sendo obedecidos. Há muito não se via 400 deputados no plenário como na última segunda-feira. Os que esperavam uma presidência muito colegiada, partidarizada ou aberta à influência das tribos que o apoiaram estão vendo um presidente ciosíssimo de sua autoridade. Mas o colégio de líderes também se renovou e agora está com outra cara. Reagirá se a presidência for muito imperial.

A primeira prioridade de Chinaglia foi naturalmente recuperar a produtividade da Casa, depois da longa paralisia que veio com o processo eleitoral e depois com a disputa interna. Neste teste, a Câmara foi bem nestas duas semanas. Além de MPs diversas, foram aprovados projetos importantes, como o da Capes, o da Super-Receita e os três projetos relacionados com a criminalidade: o que dobra a pena para crimes que tenham tido a participação de menores, o que dificulta a progressão da regime para crimes hediondos e o que tipifica o uso de celular nos presídios como falta disciplinar grave. É verdade que o projeto que redistribui os recursos do Fundo Partidário, aprovado ontem, é de interesses deles, políticos e partidos. Mas o TSE deu mesmo um passo além da conta, ao adotar uma partilha que favorecia partidos sem representatividade. O saldo das votações foi bom. O Senado também apresentou boa dinâmica, mas a crise da Câmara foi muito mais aguda.

A vida interna de uma casa parlamentar é, em grande parte, determinada pela situação dos partidos. Na legislatura passada, eles chegaram ao fundo do poço em matéria de desagregação. Em parte por conta da fragilidade intrínseca, em parte devido ao troca-troca estimulado pelo governo que buscava maioria. Não se tornaram uns partidos europeus de uma hora para outra. Pelo contrário, todos estão vivendo crises internas. Mas talvez por isso mesmo, estão se esforçando para atuar mais institucionalmente. Quase todos os líderes foram eleitos por aclamação, sem as disputas que deixam seqüelas. Assim foi tanto no PFL, na escolha de Onix Lorenzoni, como no PT, onde dois desistiram em favor de Luiz Sergio. Líderes mais fortes e respeitados conseguem manter as bancadas mais mobilizadas e contribuem para o melhor fluxo do trabalho legislativo.

Na composição das comissões técnicas houve a derrapada na CCJ, com a escolha do deputado Picciani, carente de biografia e experiência para presidir um órgão tão importante. As demais serão presididas por deputados habilitados ao posto.

Esta coisa difusa chamada astral também melhorou. A auto-estima dos deputados passou por maus bocados nos últimos tempos, havendo entre eles quem tirasse o broche quando ia para o aeroporto. A Casa ainda não fez nada para merecer aplausos mas eles sabem que começou a agir direito (começando por não tratar dos salários do deputados já na estréia, como alguns queriam). A chegada dos novos também conta. Eles são 244. Alguns estão ansiosos para aparecer, correm a discursar ou apresentar projetos. Aprenderão que o reconhecimento ali é lento, vem com o trabalho sério e continuado. Muitos, mesmo não ocupando postos de destaque, são figuras experientes. Um Palocci, um Ciro Gomes, por exemplo. E há os experimentados que voltam, alguns calejados, depois de longa ausência, como Ibsen Pinheiro, Alceni Guerra ou Humberto Souto. Tudo isso cria um ambiente novo que, oxalá, resulte numa boa legislatura.