Título: Promessas
Autor: Silva, Luiz Roberto Nascimento
Fonte: O Globo, 12/03/2007, Opinião, p. 7

A prometida reforma tributária é tema que causa mais riso e ironia do que seriedade e reflexão. Um dos aspectos mais importantes é pouco explorado. Não basta apenas reduzir drasticamente os impostos - precisamos modificar radicalmente as relações entre fisco e contribuinte.

A última década representou uma enorme majoração da pressão fiscal sobre o PIB, saltando de 28% para cerca de 38%, como também um enorme retrocesso nos direitos e nas garantias individuais em matéria fiscal. A justiça administrativa se tornou praticamente figura de retórica. Em primeira instância, a quase totalidade dos autos é mantida sem reforma ou revisão. Junto aos Conselhos, melhor sorte não assiste aos contribuintes. Para recorrer a eles, é preciso depositar o equivalente a 30% do valor do débito como requisito inicial. O processo administrativo consolidado no Decreto nº 70.235/72 foi alterado em diversos pontos que eram relevantes para os contribuintes. Foram reduzidos prazos. Suprimidos direitos de produção de provas. Mesmo sendo de composição paritária, ou seja, compostos por membros da Administração e da sociedade civil, o que se constata é uma preponderância da posição estatal em todos os três níveis da jurisdição administrativa. A necessidade de arrecadação supera o bom senso. Ora, até alguns anos atrás era comum a revisão dos equívocos e excessos nessa esfera.

Resta ao contribuinte recorrer ao Poder Judiciário, no qual, muitas vezes, consegue-se recompor a verdade e se fazer justiça. Ainda assim, foram introduzidas várias limitações ao livre direito dos cidadãos de discutir os lançamentos fiscais. Em projeto recente, felizmente retirado, pretendia-se impedir os contribuintes de realizar depósitos judiciais em matéria tributária.

O mais grave de tudo talvez seja a prevalência de uma opção, digamos, filosófica, pela interpretação econômica, em detrimento da interpretação jurídica das leis. Segundo essa visão funcional, deve-se atribuir maior relevância aos efeitos econômicos dos atos e negócios em discussão judicial do que aos seus efeitos jurídicos típicos. Com isso, nossos Tribunais Superiores freqüentemente têm proferido decisões pressionados pelos efeitos econômicos em litígio. Tudo coloca em risco o equilíbrio das contas públicas, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Com essa pressão, é fácil perceber que a necessária isenção, que é intrínseca à noção de justiça, fica bastante ameaçada.

O grande juiz Marshall, da Suprema Corte americana, já nos advertiu que "o poder de tributar é também o poder de destruir". O peso da tributação atingiu uma proporção que desestimula a atividade econômica. Inibe investimentos. Transfere empregos para o exterior. Juntamente com a redução dos impostos, precisamos refazer as relações entre fisco e contribuinte, assegurando-se à sociedade tratamentos jurídicos mais justos. Início de ano. Período em que todos devem sonhar. Entre esses sonhos, aguardar a reforma tributária, novamente.

LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA é advogado.