Título: Crise gera violência no Equador
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Fonte: O Globo, 14/03/2007, O Mundo, p. 28

Disputa entre Presidência e Congresso deixa 6 feridos, aumentando clima de incerteza

QUITO

OEquador viveu ontem o dia mais violento desde a posse do nacionalista de esquerda Rafael Correa, há pouco mais de dois meses. Pelo menos seis pessoas, entre elas dois políticos, ficaram feridas em manifestações contrárias e favoráveis ao presidente - cujos projetos de reformar instituições vêm gerando uma grave crise política no historicamente instável país andino. Os confrontos começaram quando 20 dos 57 deputados cassados pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), na quarta-feira passada, tentaram entrar à força na sede do Congresso. Os deputados, que por ordem do TSE deveriam ser substituídos por suplentes ontem, foram contidos pela polícia com gás lacrimogêneo e impedidos de entrar no prédio. Pelo menos quatro pessoas (um deputado demitido, um vereador, um policial e um manifestante pró-Correa) ficaram feridas.

Horas depois, um grupo de atiradores não identificados abriu fogo contra um grupo de simpatizantes dos deputados destituídos, que faziam um protesto contra Correa do lado de fora do Hotel Mariott, no centro de Quito. Duas pessoas foram atingidas e ninguém foi preso.

Instância máxima não se posicionou

A confusão com os deputados na porta do prédio do Congresso obrigou o presidente da instituição, Jorge Cevallos, a suspender as sessões parlamentares por mais pelo menos uma semana, segundo ele, "até que a anarquia seja contida e a estabilidade, recuperada". Do lado de fora, os deputados destituídos acusaram Correa de propositalmente querer fechar o Congresso - composto por 100 deputados (não há Senado no Equador) - e instaurar uma ditadura no país. O presidente reagiu e acusou os deputados de serem os culpados pela violência.

- Eles estão abusando da miséria do povo. Mas a destituição deles é justa e vai levar nosso país ao socialismo - disse o presidente, que é aliado do venezuelano Hugo Chávez.

Pelo menos 200 pessoas fizeram um cerco em volta da sede do Congresso, protestando contra os deputados que forçavam sua entrada no prédio e demonstrando seu apoio à decisão do TSE, respaldada por Correa. Uma das deputadas destituídas, Silka Sánchez, do conservador Prian, principal partido de oposição, protestou:

- Se quiserem fechar o Congresso, que fechem. Mas voltaremos aqui para cumprir nossas funções, afinal ainda vivemos uma democracia - disse Sánchez, ao lado de Augusto Gonzalez, um dos dois políticos feridos.

Correa, que conta com mais de 70% de aprovação popular, quer convocar uma Assembléia Constituinte para mudar a Constituição equatoriana. A principal intenção do nacionalista é extinguir a "partidocracia" que, segundo o presidente, está representada por muitos dos congressistas, e é a principal responsável pelo atraso e instabilidade do país. A Assembléia Constituinte é o principal motor da crise no Equador, país cujos três presidentes eleitos nos últimos 10 anos foram destituídos pelo Congresso.

Os deputados da oposição foram demitidos depois de votarem a favor da demissão do presidente do TSE, Jorge Acosta - uma manobra que, segundo analistas, tinha como objetivo atrasar a realização do referendo convocado por Correa para consultar a população sobre a instauração da Assembléia. O plebiscito foi marcado para o dia 15 de abril. Os deputados da oposição, que, por pressão popular e dos demais políticos, já haviam concordado com o referendo, alegaram que suas regras foram alteradas por Correa e pelo TSE, sem que fossem novamente levadas à consulta.

Segundo advogados e analistas políticos, ambas as decisões (do Congresso e do TSE) são inconstitucionais. Na sexta-feira passada, o presidente da Câmara, Jorge Cevallos, pediu que o Tribunal Constitucional (TC), a instância máxima para julgar o caso, intercedesse contra a demissão dos deputados. Porém, ontem, o presidente do TC, Santiago Velásquez, afirmou que não pode abrir um processo "porque falta o cumprimento de certos requisitos" para o caso.