Título: Meio milhão de foragidos
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 26/03/2007, O País, p. 3

População carcerária explode, mas número de mandados de prisão não cumpridos é ainda maior.

As mais de 2.200 pessoas presas na inédita megaoperação nacional das polícias civis de 24 estados e do Distrito Federal, na sexta-feira passada, representam uma ínfima parte da multidão de foragidos da Justiça em todo o país. Levantamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública, com base nas informações da Rede Infoseg, o maior banco de dados criminais do país, revela que o Brasil tem hoje cerca de 550 mil mandados de prisão decretados pela Justiça e não cumpridos pelas polícias. Ou seja, mais de meio milhão de brasileiros têm que prestar contas à Justiça por crimes como seqüestros, assaltos, assassinatos e corrupção, entre outros. Há mais foragidos do que presos em todo o sistema penitenciário nacional. As cadeias brasileiras estão abarrotadas hoje com 401.236 presos, conforme o último levantamento sobre o assunto divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

- Isso é do tamanho de um país, é uma enormidade. Eu sabia que esse número (de mandados não cumpridos) era elevado, mas não sabia que era tanto. É simplesmente assustador - resume o professor Ignácio Cano, especialista em estudos sobre violência, preocupado com a escalada da criminalidade no país nos últimos anos.

Vagas em presídios teriam que dobrar

Para Cano, as estatísticas ganham contornos ainda mais dramáticos se comparadas à população carcerária. Com 550 mil foragidos, na hipótese improvável de as polícias se mobilizarem para cumprir todos os mandados de prisão em aberto, os governos federal e estaduais teriam que mais que dobrar as vagas do sistema penitenciário, outra tarefa considerada impossível diante dos parcos recursos destinados à segurança pública e à administração penitenciária pela União e pelos governos estaduais.

- É por isso que essas leis de combate à violência que estão sendo discutidas no Congresso Nacional podem não ter muito impacto sobre a realidade. Não adianta só prender. São necessárias iniciativas em outras áreas, como educação, saúde e trabalho - afirma um dos auxiliares do ministro da Justiça, Tarso Genro.

O diretor do Depen, Maurício Kuehne, soube que o número de mandados de prisão não cumpridos era superior a meio milhão numa recente conversa com o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa. Kuehne também ficou surpreso. Até então, a crença geral era que o número de mandados de prisão em aberto girava em torno de 250 mil.

Esta é a primeira vez que um órgão do governo faz um mapeamento com base em números reais, e não apenas em projeções parciais sobre o assunto. Promotor de Justiça aposentado e professor da Faculdade de Direito de Curitiba, Kuehne afirma que não dá mais para tapar o sol com a peneira. Para ele, está claro que a explosão dos mandados de prisão não cumpridos é um sintoma do aumento da violência urbana.

- São números expressivos, maiores que a população carcerária, e um indicativo do crescimento da criminalidade no país - afirma.

População carcerária cresce 10% ao ano

Para Inácio Cano, o número também é significativo se analisado a partir do resultado das operações simultâneas lançadas pelas polícias civis de todos os estados e do Distrito Federal na semana passada. Depois de mobilizar mais de 25 mil policiais em 11 estados numa caçada a foragidos da Justiça, as polícias civis prenderam pouco mais de duas mil pessoas. No Distrito Federal, a Polícia Civil tinha que cumprir 451 ordens de prisão. Mas, depois de uma semana de esforço concentrado, só prendeu 43. Em Brasília, a operação teve início na segunda, embora só tenha sido divulgada na sexta-feira.

- Isso (os mandados não cumpridos) mostra que os resultados das operações das polícias civis foram, na verdade, fracos - disse Cano.

Independentemente das ruidosas operações da semana passada, Maurício Kuehne considera que as polícias estão melhorando as investigações e, a partir daí, estariam obtendo respostas mais favoráveis do Judiciário, como ordens de prisão e condenações. Segundo ele, esse esforço está, porém, muito aquém da demanda criada pelos crescentes índices de criminalidade.

Para Kuehne, o mais impressionante é que o número de ordens de prisão não cumpridas cresce ao mesmo tempo em que também se vê um inchaço do já superlotado sistema penitenciário. Em dezembro de 2005, o país tinha nada menos que 361.402 presos. Um ano depois, este número superou a barreira dos 400 mil. Esse contingente é quase o dobro da população carcerária do país registrada em 2002, que estava em torno de 240 mil detentos.

Pelas contas do Depen, a população carcerária está crescendo a uma taxa de mais de 10% ao ano, bem superior à média do crescimento médio anual da população, de 1,3%. Um estudo em poder do Depen mostra que a população carcerária está aumentando no mundo todo, inclusive em países ricos. Mas, no Brasil, o fenômeno seria ainda mais acentuado.

- O que falta são políticas de inclusão social que impeçam os indivíduos de buscarem o caminho do crime - diz Kuehne.