Título: Como a Espanha avança para a igualdade
Autor: Vega, Maria Teresa Fernández de la
Fonte: O Globo, 30/03/2007, Opinião, p. 7

Dizia o poeta espanhol Gerardo Diego que aquilo que um dia intuímos ou sonhamos é a mais pura verdade. Durante séculos, nós, mulheres, temos sido relegadas à invisibilidade pública, limitadas ao espaço doméstico e privadas de toda autonomia. Freqüentemente exaltadas como objeto puramente estético e, com mais freqüência, simplesmente ignoradas como verdadeiros sujeitos, nós, mulheres, temos sido durante muito tempo as grandes esquecidas da História, de uma história que também nós fazíamos, mas que não nos era permitido escrever, e em cujo relato não aparecíamos. Durante quase toda nossa história, para muitas mulheres a igualdade não passava disso, de ser uma verdade encerrada num sonho bonito, tão bonito que valia a pena lutar por ele.

Já faz um século que se comemora a luta de mulheres pela igualdade e é justo reconhecer que nestes cem anos temos avançado muito. Nós, mulheres, obtivemos os direitos políticos e sociais que nos correspondem pela natureza, nós nos incorporamos ao mercado profissional, conseguimos que se reconhecesse legalmente nosso direito à igualdade. Também vimos que se estende a convicção de que o futuro passa pelo reconhecimento pleno dos direitos das mulheres.

Na Espanha contamos hoje com um governo que fez dessa convicção - a de que é preciso trabalhar pela igualdade - uma das premissas de sua ação política. Resulta significativo que a primeira lei deste governo fosse a Lei Integral contra a Violência de Gênero, e desde então temos avançado muito.

Com a aprovação no Congresso da Lei Orgânica para a Igualdade Efetiva de Homens e Mulheres, nosso país deu um passo histórico nesse compromisso. O próprio enunciado da lei destaca sua vocação de tornar realidade o direito à igualdade consagrado pelo art. 14 da nossa Constituição.

Trata-se, portanto, de uma lei ambiciosa que tem uma intenção eminentemente prática: busca criar as condições materiais para a realização efetiva da igualdade de gênero, projetando esse princípio de igualdade sobre toda a sociedade - incidindo especialmente nos âmbitos educativo, sanitário, artístico e cultural, a sociedade da informação, o desenvolvimento rural, a moradia, o desporte, a ordenação do território ou a cooperação internacional para o desenvolvimento, assim como fazendo da igualdade um princípio essencial na formulação de políticas, a atuação de todos os poderes públicos e a interpretação das normas.

E, nesse compromisso com a conquista da igualdade real, a própria norma estabelece instrumentos adequados. Uma de suas grandes inovações é o denominado princípio da presença equilibrada. Este princípio, que implica que a presença dos homens ou mulheres não supere 60% nem seja inferior a 40%, é essencial na conquista de que o direito à igualdade encontre uma plasmação efetiva. Garante-se assim a igualdade nos órgãos diretivos da Administração Geral do Estado e nas candidaturas políticas. Assegura-se uma representação equilibrada de ambos os sexos nos órgãos e cargos de responsabilidade, do mesmo modo que no Parlamento.

Também no âmbito profissional supõe esta lei um grande avanço. Como resultado do diálogo com os interlocutores sociais, a norma dedica atenção especial à luta contra toda forma de discriminação de gênero, contra o abuso e contra a desigualdade no âmbito das relações profissionais, promovendo a presença equilibrada nos conselhos de administração das empresas, estabelecendo o dever das empresas de mais de 250 trabalhadores de negociar planos de igualdade e fomentando sua implantação nas pequenas e médias empresas.

São poderosas ferramentas que nos permitirão agir imediatamente contra toda forma de discriminação.

Há quem diga que esta norma é intervencionista e quem considere que é desnecessária, já que, "dando tempo ao tempo", alcançaremos a igualdade real. Penso sinceramente que cometem uma enorme injustiça. Quanto tempo mais deveríamos esperar? Quantas gerações mais de mulheres sofrerão discriminação, desigualdade e violência? Quando se fala de direitos fundamentais, não há espaço para reticências. Nós, mulheres, já esperamos bastante, esperamos muito, levamos séculos esperando. A igualdade das mulheres é preciso ser construída, podemos construí-la, desde aqui e desde agora. Temos as ferramentas e a vontade para isso.

No entanto, temos consciência de que eliminar os preconceitos, os costumes e as injustiças históricas requer mudanças profundas nas pautas de pensamento, que em muitos casos se encontram arraigadas em estruturas sociais profundamente desiguais. Por isso, esta lei contempla ações decididas nos âmbitos como a educação, a criação artística e intelectual, ou nos meios de comunicação. Fazendo do princípio de igualdade um elemento central nos currículos e em todas as etapas educativas, eliminando conteúdos sexistas, promovendo a paridade nos órgãos consultivos, científicos e de decisão, fomentando uma imagem igualitária nos meios de comunicação, avançamos na mudança dessas pautas de comportamento, dessa estrutura profunda que é o viveiro da discriminação e da violência contra as mulheres.

Agindo assim, estamos estendendo direitos, ampliando os espaços de liberdade e igualdade dos homens e mulheres de nosso país. Por tudo isto, esta é uma lei histórica que situa o nosso país na vanguarda mundial da luta contra a discriminação de gênero e nos torna uma referência internacional na construção de uma sociedade mais justa, na qual homens e mulheres possam se desenvolver plena e livremente.

MARÍA TERESA FERNÁNDEZ DE LA VEGA é vice-presidenta do governo da Espanha.