Título: Crise nos aeroportos expõe falta de planejamento do governo para investir
Autor: Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 03/04/2007, O País, p. 5

Especialistas dizem que país aplica mal os recursos e não define prioridades.

A crise do setor aéreo, que se arrasta há seis meses, expõe a falta de um plano de investimentos, a médio prazo, na infra-estrutura do país. Para economistas, o problema nem é a falta de recursos, mas de planejamento de gastos e definição de prioridades. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segundo eles, não parece ser a solução definitiva, já que a maior parte dos projetos anunciados já existia ou estava prevista. Além disso, o governo não mostrou como vai criar as condições para financiar os novos.

Marcos Mendes, pesquisador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e consultor legislativo do Senado, lembra que o Estado recolhe mais de 30% em tributos, mas aplica os recursos de forma desfocada e desordenada.

- No caso dos aeroportos, o governo optou por investir no conforto dos passageiros, na ampliação das áreas de embarque, e não priorizou os gastos com segurança e com pessoal - afirma Mendes, que organizou o livro "Gasto público eficiente - 91 propostas para o desenvolvimento no Brasil".

Armando Castellar, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, afirma que, desde meados da década de 80, o país deixou de investir em infra-estrutura e passou a priorizar os gastos correntes (despesas com pessoal e manutenção da máquina do Estado):

- Minha visão é de que não faltam recursos. A quantidade de gastos do governo tem crescido muito acima do PIB. O gasto de consumo dobrou, em duas décadas. De meados da década de 60 até os anos 80, esse gasto significava 10% do PIB. Hoje em dia é de 20%. E o investimento do setor público é de apenas 1,8% do PIB, mas já foi de cerca de 4% do PIB nessas duas décadas anteriores. Os gastos com a Previdência também cresceram muito. O dinheiro existe. Mas o Brasil fez uma opção de gastar com despesas do governo. A infra-estrutura se deteriorou. Se você tem um carro e não gasta com manutenção, um dia ele quebra. No caso do Brasil, hoje é o setor aéreo. Amanhã podemos ter problemas nas estradas, nos portos, na energia elétrica.

Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que falta ao governo um plano de desenvolvimento com diretrizes estratégicas claras. Para o economista, o maior problema não é a falta de recursos, mas de organização de prioridades. E acusa a falta de comando e de vontade política do presidente Lula para colocar o país num rumo:

- A crise do setor aéreo se arrasta e o governo não tomou nenhuma decisão. Essa apatia do governo Lula implica ineficácia, negligência. E não é só na questão do tráfego aéreo.

A falta de planejamento a médio prazo, segundo Marcos Mendes, obriga o governo a sempre agir de forma reativa, anunciando investimentos apenas em épocas de crise.

- Há um problema de organização de investimentos, que não é só deste governo, mas foi herdado de outros. Na hora da crise é que se acusa a falta de investimentos para prevenção. Já tivemos o caso da febre aftosa, da dengue, dos buracos nas estradas, da segurança, e agora dos aeroportos.

Sobre o PAC, Mendes diz que falta ao governo criar condições para financiá-lo:

- É preciso controlar gastos correntes. O PAC não cria condições para o financiamento dos projetos. Não foram anunciadas, até agora, medidas para controlar o gasto corrente. Aumentar a carga tributária ou contingenciar recursos não são medidas de planejamento ou racionalidade. Contingenciar é controlar dinheiro na boca do caixa.

- Os valores de investimento de projetos novos do PAC são mínimos, em termos de proporção em relação ao PIB. A maioria já existia - acrescenta Castellar.