Título: Refugiados, um desafio no Timor
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 08/04/2007, O Mundo, p. 35

Drama de 100 mil deslocados por conflito é emergência a ser resolvida por novo presidente.

Há pouco mais de um ano, os professores primários José da Costa Reis, e sua mulher, Augusta da Costa, de 43 anos, junto com os cinco filhos, espantaram-se com o clima de violência que foi tomando conta da pequena aldeia ao pé da estátua do Cristo Rei, a leste de Díli, numa região conhecida como Areia Branca. Costa e sua família, timorenses da etnia lorosae, da parte leste da ilha, começaram a ser ameaçados por vizinhos da outra etnia, loromoro, da parte oeste.

O país vivia então uma de suas mais graves crises pós-independência, detonada quando o governo foi incapaz de lidar com o amotinamento de cerca de 600 militares que acusavam as Forças Armadas de discriminarem os loromoros na hora de promover oficiais. Dos quartéis e das páginas dos jornais para as ruas, foi um pulo. O conflito ganhou ares de guerra civil, com cerca de 40 mortos e nada menos que 155 mil pessoas em fuga de suas casas em Díli, os chamados deslocados internos ¿ um dos mais graves problemas que o novo presidente, a ser eleito amanhã, terá pela frente.

¿ Um dia, escreveram na parede da minha casa que ali era um depósito de armas clandestino e que, se não nos mudássemos, minha família seria toda morta ¿ conta o professor aposentado, que hoje é um dos gerentes do campo, uma espécie de síndico. ¿ Corremos para o campo do Hospital Nacional Guido Valadares e, no dia seguinte, queimaram nossa casa e destruíram nossas coisas. Aqui estamos até hoje.

Segurança é maior problema apontado

O problema dos refugiados internos é hoje um dos mais sérios de Díli, pois personifica um preconceito étnico que o governo julgava superado. Os campos ainda são alvo de violência de gangues, que vira e mexe atacam as barracas com pedras.

¿ Hoje, ainda existem mais de cem mil deslocados em Timor Leste, dos quais 30 mil somente em Díli ¿ diz Luiz Vieira, chefe da missão da ONG Organização Internacional para as Migrações para Timor Leste, a pedido da ONU. ¿ Os outros deslocados acabaram retornando para famílias no interior do país, mas quem ficou não quer voltar para suas casas com medo da violência.

Costa e sua família de dez membros não estão sozinhos no campo do único hospital de Díli, um entre os mais de 50 espalhados pelo país. Ali, são mais de três mil pessoas, que vivem em condições muito piores que as de muitas favelas brasileiras, em barracas de lona mofadas, com esgoto a céu aberto, fogão improvisado com tijolos e banheiros em valões.

O ex-estudante de biologia e segurança de uma cooperativa Florindo da Costa, de 29 anos, por exemplo, largou tudo o que tinha no bairro de Becora, um dos mais violentos de Díli, e fugiu com 11 pessoas da família para o campo do hospital.

¿ Antes, todos vivíamos em paz, mas o conflito foi crescendo e muita gente se aproveitou da confusão para invadir casas e se vingar de vizinhos com os quais tinham antigos problemas ¿ conta Costa, que hoje está desempregado e vive do suprimento assistencial de oito quilos de arroz, feijão e óleo de cozinha dados pela comunidade internacional às famílias uma vez por mês.

Quem pergunta para qualquer deslocado nos vários campos de Díli qual a sua maior preocupação nas eleições de amanhã, a resposta é invariavelmente segurança. Vieira diz que o problema vai persistir ainda por um bom tempo até que o governo monte um razoável programa de assentamento, acoplado ao acesso a escolas e saúde.

¿ Os deslocados não querem e não podem voltar ¿ diz ele. ¿ Não podem porque ainda não há garantia de segurança. E não querem porque precisam da infra-estrutura que garanta escola e tratamento médico para sua família, coisas que eles possuem nos campos e na cidade próximo dos campos.

`Um problema de propriedade¿

Xanana Gusmão, presidente do Timor Leste, afirma que a questão dos deslocados é um problema de propriedade:

¿ Anos depois da colonização portuguesa, da invasão indonésia e do próprio processo de independência do país, os imóveis foram mudando de mãos e agora o que existe é um grupo que se aproveita do clima de crise para tomar o que acha que é dele ¿ diz o presidente.

A tarefa, quem quer que seja o presidente eleito, é um dos maiores problemas para o novo governo resolver.