Título: O conta-gotas
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 19/04/2007, Economia, p. 22

Ontem, quando o Copom anunciou a queda de 0,25 pontos percentuais na Selic, pouco depois das sete da noite, muitos analistas de banco já tinham ido para casa. A queda mínima já era tida como certa, e eles estão mais preocupados mesmo é com a ata, que sairá na semana que vem. A queda foi menor que a possível. Mesmo que a taxa caísse 1 ou 2 pontos percentuais, os juros reais brasileiros continuariam sendo os maiores do mundo.

A tabela abaixo, com os juros compilados pela UpTrend Consultoria, mostra que, fosse o corte de 0,5 pp, o Brasil continuaria na dianteira da fila. Aliás, lugar cativo do Brasil. Nos juros nominais, que também estão na tabela, já ficamos atrás de Turquia e Venezuela, mas, como a inflação deles é bem maior que a nossa, quando se faz a conta ex-ante - juros nominais menos a inflação projetada para os próximos 12 meses - somos ainda líderes isolados, na frente de Turquia, Israel e China (esta quase não conta porque tem boa parte da economia com preços controlados).

- Depois de todas essas quedas na Selic, o Brasil continua bem à frente do segundo colocado, com os mais altos juros reais do mundo; o que só mostra que se tinha muita gordura para cortar. Isso reforça a tese de que os juros praticados no Brasil há algum tempo eram proibitivos e que o Banco Central poderia ter sido mais ousado desde 2004, em vez de cortar a taxa a conta-gotas - diz Alex Agostini, da Austin Rating.

Nas contas feitas pela UpTrend, o Brasil só perderia a liderança para a Turquia nos juros reais caso houvesse uma queda de 3 pontos percentuais na Selic.

O outro gráfico abaixo mostra os juros calculados não pela Selic, mas pelo DI de um ano. Ele indica, ao calcular os juros reais, que o mercado já está considerando novas quedas da taxa básica nos próximos 12 meses. O que acontece é que os juros determinados pelo Copom servem apenas como um referencial; a partir deles, o mercado calcula as taxas de um ano.

- Em economias com juros considerados "normais", uma curva invertida como esta poderia indicar o temor pelo mercado de uma recessão no futuro, mas no Brasil os juros são tão altos que não há essa preocupação. É apenas sinal de que o mercado está antevendo novas quedas - comenta Luis Otávio Leal, do Banco ABC Brasil.

Ele explica que é muito difícil o Banco Central perseguir esses juros que são estabelecidos no mercado. Segundo Luis Otávio, funcionaria como um "cachorro correndo atrás do próprio rabo", pois, quanto mais o BC indicasse queda dos juros, mais o mercado poderia reagir com novas quedas da expectativa para o longo prazo.

Alguns economistas no mercado admitiram ontem que o Copom poderia ter decidido, ao menos, por uma queda de 0,5 ponto percentual, mas previram que ele ficaria no mesmo 0,25 pp e agora aguardam apenas algum sinal de aceleração na ata do Copom.

Há, nesta excessiva cautela do Banco Central, sinais de um outro problema; um pouco mais sutil. Caso o BC acelere a queda, ele pode acabar chegando num ponto em que os juros terão que subir ou descer de acordo com a conjuntura. E como reagirá o governo Lula em caso de elevação da taxa de juros? O Banco Central trai, nesta parcimônia exagerada, o medo de chegar a um ponto em que precise, eventualmente, subir as taxas. É como se ele quisesse guardar uma gordurinha, ou não chegar nesse ponto decisivo. Mostra que, por vias transversas, anda se preocupando com os limites políticos.