Título: O 'bingão da Justiça' em SP
Autor: Galhardo, Ricardo e Freire, Flavio
Fonte: O Globo, 21/04/2007, O País, p. 3
PF apreende documentos e diz que magistrados recebiam mensalão de donos de bingos
Ricardo Galhardo e Flavio Freire
APolícia Federal apreendeu ontem documentos, computadores e bens de uma quadrilha integrada por 43 pessoas, entre desembargadores e juízes federais, um procurador da Fazenda, um policial civil, advogados, contadores e funcionários de uma empresa telefônica. Juízes e desembargadores são acusados de corrupção na venda de decisões judiciais para grandes empresas, donos de bingos e caça-níqueis, além de compensações indevidas ou cancelamentos de débitos tributários. Em troca, recebiam uma espécie de mensalão que chegava a R$30 mil mensais ou propinas de até R$150 mil.
- É o bingão da Justiça - ironizou o superintendente da PF-SP, José Geraldo de Araújo.
Cerca de 400 policiais federais que integraram a Operação Têmis - referência à deusa grega da Justiça - realizaram 80 ações de busca e apreensão em residências, escritórios de advocacia e contabilidade e gabinetes de autoridades da Justiça Federal em São Paulo, sobretudo na sede do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Ministro do STJ não autorizou prisões
O Ministério Público Federal pediu a prisão temporária dos 43 envolvidos, mas o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou o pedido. Fischer, que autorizou as buscas e apreensões, também recusou o bloqueio de bens dos envolvidos.
Entre os investigados estão três desembargadores do TRF-3: Roberto Haddad, Alda Maria Bastos e Nery da Costa Júnior. Cerca de 40 policiais chegaram ao prédio do tribunal, na Avenida Paulista, por volta das 9h30m e saíram quatro horas depois com duas malas de documentos e cópias dos discos rígidos dos computadores. Segundo o delegado da PF José Pinto de Luna, que comandou as buscas no TRF, apenas Alda Bastos estava no tribunal. Os policiais recolheram pelo menos 40 quilos de documentos. Como o inquérito corre sob sigilo de Justiça, as acusações não foram reveladas. Haddad chegou a ser afastado da magistratura em 2003 por fraude tributária, mas conseguiu voltar ao cargo graças a uma decisão judicial.
Duas equipes da PF vasculharam os gabinetes dos juízes federais Djalma Moreira Gomes e Maria Cristina Barongeno Cukierkorn. Djalma chegou a negar liminares que favoreceriam donos de bingos, mas seu nome apareceu em grampos da Operação Furacão. Maria Cristina autorizou, em 1999, o uso de caça-níqueis pela empresa Reel Token. Segundo o delegado Luiz Roberto Ungaretti, da Divisão de Repressão ao Crime Organizado da PF-SP, pelo menos dez decisões judiciais vendidas foram investigadas nos oito meses da Operação Têmis.
O gabinete do procurador da Fazenda Nacional Manoel Alves também foi alvo de busca. Ele e uma funcionária são acusados de participar do esquema de cancelamento ilegal de dívidas tributárias e negociatas envolvendo títulos vencidos da dívida pública. Segundo o superintendente da PF, Geraldo José de Araújo, esse esquema era o mais danoso aos cofres públicos.
- A coisa é muito grande e causou sérios prejuízos à Fazenda Nacional - disse Araújo, sem precisar o valor estimado das fraudes.
Os advogados e contadores atuavam como lobistas das negociatas entre as autoridades e os beneficiados.
Com os acusados, a PF apreendeu dezenas de documentos, informações em formato digital, dinheiro, carros e motos importadas (entre eles um Jaguar e uma Harley Davidson). O trabalho da PF, porém, teria sido prejudicado pelo vazamento da investigação, há cerca de um mês e meio.
- Provas foram suprimidas e destruídas - disse o superintendente.
A Operação Têmis nasceu em agosto passado, com a denúncia de que um desembargador do TRF-3 teria vendido sentença que beneficiava donos de bingos. A partir de então foram feitas escutas telefônicas e quebrado o sigilo bancário dos investigados. Funcionários de uma empresa telefônica que operava os grampos descobriram que os desembargadores estavam interceptados e passaram a informação a um policial civil, que, por sua vez, alertou os envolvidos.
Bicheiro é preso em Belo Horizonte
O material apreendido ontem será analisado e catalogado pela PF em São Paulo e, posteriormente, enviado ao STJ. Segundo o superintendente da PF, a Operação Têmis não está ligada à Operação Furacão, que semana passada desbaratou um esquema semelhante de venda de sentenças no Rio.
A ação da PF foi precedida por uma ofensiva contra o jogo ilegal em São Paulo. Anteontem, o TRF-3 suspendeu três liminares que autorizavam o funcionamento de 53 bingos em cinco estados, dos quais 45 em São Paulo, 35 na capital. A decisão foi da presidente do tribunal, Diva Malerbi, acatando recurso da Advocacia Geral da União.
Em Belo Horizonte, um dia depois de apreender 70 máquinas caça-níqueis em cumprimento a 46 mandados de busca e apreensão, a Polícia Militar de Minas fez ontem nova operação de combate a outro tipo de contravenção. Foi preso um dos chefes do jogo do bicho na capital, Francisco Moreira Anastácio, o Chicão, surpreendido no escritório da organização comandada por ele.
Os policiais apreenderam R$280 mil em cheques, R$1.223 em dinheiro e 20 máquinas semelhantes às usadas por administradoras de cartão de crédito. A polícia também encontrou peças contendo o nome de um político, cujo nome não foi revelado.
Em Santa Catarina, a PM fechou ontem quatro bingos que funcionavam ilegalmente em Florianópolis, depois de uma operação em sete casas de jogos determinada pelo Ministério Público. Foram presos os quatro responsáveis pelos estabelecimentos. Segundo o major Newton Ramlow, que coordenou a operação, todos responderão a inquérito policial por desobediência.