Título: Sensao aprova retirada do Iraque
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 27/04/2007, O Mundo, p. 28

Promessa de veto da Casa Branca deve forçar Bush e democratas a negociarem nova lei.

Logo depois que o Senado dos Estados Unidos reforçou, no início da tarde de ontem, a posição que havia sido adotada na noite anterior pela Câmara dos Representantes ¿ condicionando o financiamento da guerra no Iraque à retirada gradual das tropas americanas entre 1º de outubro e 31 de março próximos ¿ a porta-voz da Casa Branca, Dana Perino, reafirmou que o presidente George W. Bush vai vetar a lei aprovada pelas duas casas, imediatamente após recebê-las.

¿ O Congresso votou pelo fracasso no Iraque, e o presidente vetará essa lei ¿ disse ela.

O senador oposicionista Jack Reed sintetizou o sentimento de seu partido:

¿ Estamos diante de uma guerra que jamais deveria ter começado, e que no mandato deste presidente pode jamais terminar sem que estabeleçamos um prazo para a retirada.

O general David Petraeus, comandante das tropas no Iraque, estava em Washington, mas evitou comentar a lei. Deixou claro, no entanto, que a situação no Iraque ainda é muito difícil:

¿ Essa é a guerra mais complexa e desafiadora que já vi. Ainda há muito trabalho a fazer. Nós estamos apenas começando um novo esforço, e ele poderá se tornar mais duro antes que as coisas se tornem mais fáceis.

O intenso e inflamado debate presenciado no Capitólio durante as duas votações vai culminar num gesto irônico da maioria oposicionista: o Partido Democrata submeterá a lei a Bush, para o esperado veto, na próxima terça-feira. Dessa forma, esse ato coincidirá com o quarto aniversário de uma declaração do presidente que logo se tornou infame: em 1º de maio de 2003, sob uma faixa que dizia ¿missão cumprida¿, ele afirmou, no convés do porta-aviões Abraham Lincoln, que as operações de combate haviam terminado:

¿ A batalha do Iraque é uma vitória na guerra contra o terror ¿ acrescentou na época.

O problema, para o Partido Democrata, é que a aprovação no Senado foi por uma diferença de apenas seis votos (51 a 46, com três abstenções; na Câmara, o resultado foi de 218 a 208). A oposição precisaria ter obtido uma vantagem de dois terços na Câmara alta para repelir um veto presidencial, e obrigar o Pentágono a um cronograma de retiradas.

Bush também tem um problema: o Pentágono precisa dos US$124 bilhões para continuar lutando. A verba atual está no fim. Por isso, embora esvazie a manobra da oposição, ele terá de negociar com ela uma nova lei. E há urgência. Se a lei não for aprovada até 31 de maio, não haverá dinheiro para as tropas.

Os próprios democratas já estão trabalhando em duas novas versões. O fator crucial é a condicionalidade. Lee Hamilton, ex-deputado democrata e presidente do Grupo de Estudo sobre o Iraque, saiu em campo ontem em busca de um meio termo. Ele sugeriu que, em vez de estabelecer datas para a retirada gradual dos soldados, o Congresso deveria estabelecer metas a serem cumpridas pelas tropas e pelos iraquianos. À medida que isso ocorresse, o dinheiro seria liberado, e as tropas, gradualmente retiradas.

¿ A questão é estabelecer um caminho para essa política, e não amarrar as mãos do presidente. Ao mesmo tempo, o presidente deve aceitar metas para a remoção de tropas ¿ disse.

Maioria dos americanos não acredita em vitória

Duas pesquisas divulgadas ontem mostraram que os americanos apóiam os democratas. Uma indicou que 55% crêem que uma vitória no Iraque não é mais possível (só 36% ainda acreditam nela). A outra registrou que seis em cada dez pessoas estão mais preocupadas com a possibilidade de Bush não aceitar mudança alguma de planos, do que com a oposição forçar demais a situação. Apenas 31% temem um exagero da oposição na demanda pela retirada de tropas.

Ativistas de ambos os lados já começaram a se mobilizar. O Townhall.com, site conservador, está organizando uma ¿petição de não rendição¿, incitando os leitores a pressionarem o Partido Democrata a mudar de idéia. Por sua vez, o grupo liberal Americans United for Change anunciou a exibição de um comercial de TV com cenas de Bush no porta-aviões sugerindo que a guerra tinha sido ganha, e uma declaração no final dizendo: ¿Ele estava errado naquela época, e está errado agora. Trata-se da vontade de uma nação contra a teimosia de um homem¿.

Em outro desafio a Bush, um grupo de senadores, que inclui o presidente do Comitê Judiciário do Senado, Patrick Leahy, apresentou ontem um projeto de lei que restaura a estrangeiros suspeitos de terrorismo o direito de contestar a prisão. A medida afetaria centenas de pessoas detidas na Baía de Guantánamo, em Cuba. Ela altera, assim, a lei aprovada no final do ano passado pelo Congresso, então de maioria republicana, que estabeleceu cortes militares para estrangeiros e lhes negou direitos, como o de habeas-corpus.