Título: Não basta!
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 28/04/2007, Opinião, p. 7

Em 25 de abril de 1957, o Editorial do jornal O GLOBO dizia: "De ano para ano, mais se compromete o quadro do ensino no Brasil. Não é apenas a falta de escolas; é também a qualidade da educação ministrada. Se tivéssemos de fazer uma síntese do assunto, poderíamos dizer que hoje, entre nós, ensina-se pouco e mal. Não se fazem necessárias maiores especulações para avaliar o que isso representa para o país nesta fase de inegável progresso material, a reclamar em todos os setores homens capacitados, científica e tecnicamente, a fim de assegurar a aplicação das conquistas mais recentes da ciência e da técnica no processo de desenvolvimento."

O texto espanta pela atualidade. Principalmente agora, quando, cinqüenta anos mais tarde, o presidente Lula lança um Plano de Desenvolvimento da Educação sem grandes novidades e com pouca ambição, sem o radicalismo de um salto educacional. Trará avanços - como outros projetos já trouxeram - e, assim, ninguém se posicionará contra ele. Mas, mesmo implantado em sua totalidade, pouco contribuirá para que, daqui a 20 anos, o quadro educacional seja diferente.

Quando o governo imperial, por proposta do ministro liberal José Antonio Saraiva, aprovou, em 1885, a Lei dos Sexagenários, os abolicionistas não puderam se declarar contrários a ela. Mas afirmaram: "Não basta! É preciso abolir o maldito sistema escravocrata." Agora, com o lançamento do PDE, nós, educacionistas que defendemos uma Revolução Educacional para garantir a mesma chance a todos, repetimos: "Não basta!"

As medidas apresentadas se dividem em três grupos. As primeiras são medidas de apoio: transporte, luz nas escolas, cuidados de saúde. São positivas, mas não trarão um salto na qualidade da educação.

Outras são como termômetro: indicam o tamanho da febre, mas não podem curá-la. O Ideb - que copia o IDES, criado em 2003 e extinto em 2004 -, a Provinha Brasil e o Censo são altamente louváveis, mas não mudarão a realidade. Seria como comemorar um serviço de estatística sobre a escravidão. Mostraria o problema, mas não bastaria.

Há medidas realmente vinculadas à qualidade: piso salarial, inclusão digital, dinheiro na escola, formação de professores pela Universidade Aberta. Terão impacto direto, mas, ainda assim, não bastarão. Além do piso salarial, é preciso implantar um plano de elevação do salário médio, e vincular essa elevação à formação e à dedicação do professor. Só o aumento não basta. Professor ganhando bem sem dedicação não melhora a qualidade. A inclusão digital não se faz só com computadores, mas com o professor preparado para ensinar aos alunos a usá-los, em prédios prontos para recebê-los.

Se dinheiro na escola resolvesse, bastariam o Fundef e o Fundeb. E vincular o dinheiro aos índices já apresentados pela escola prejudica as crianças das cidades ineficientes. Além disso, o dinheiro adicional é ridiculamente pouco para atender às exigências de melhoria de qualidade.

O Brasil Alfabetizado é um excelente programa, mas já tinha sido criado em 2003, com a meta de eliminar o analfabetismo até 2008. Ele agora retorna com um grande risco: o de utilizar professores de rede pública do ensino fundamental. Os professores diminuirão a atenção dada às crianças, e o analfabetismo pode diminuir entre os adultos agora, mas crescer na próxima geração. E a complementação do salário será certamente incluída no cálculo, na hora de comprovar que o piso salarial foi elevado.

Há dois programas muito bons para o ensino técnico e o ensino superior. Esses, sim, ajudarão a dar um salto. Mas a idéia continua sendo de apoiar universidades, longe da Reforma Universitária da qual o Brasil precisa. Além disso, mais uma vez, o ensino superior e o ensino técnico prevalecem sobre o ensino básico, até pegam carona com ele. Essa é outra razão pela qual o PDE não basta.

É preciso alertar o presidente Lula para aquilo que as pessoas que estão ao seu lado não dizem: "Não basta, presidente!" É um avanço, mas está longe do salto de que o Brasil precisa, e que poderia ser o seu legado.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).