Título: As mudanças climáticas e o homo faber
Autor: Ribeiro, Carlos Costa
Fonte: O Globo, 09/05/2007, Opinião, p. 7

Acada relatório publicado pelos cientistas que integram o painel de mudanças climáticas das Nações Unidas, cresce o número de pessoas solidárias com a tese de que o homem está destruindo a vida no planeta. Afirma-se, de forma categórica, que as alterações no clima provocadas pelas ações humanas resultarão em desastres ambientais sem precedentes, tais como a elevação do nível dos oceanos e a escassez de água potável.

Para o cidadão comum, não iniciado na complexidade dos temas da climatologia, da ecologia e da economia, o alerta dos cientistas soa como ameaça real e assustadora. Há uma perplexidade geral e duas importantes perguntas estão no ar. A primeira é saber quem são os culpados. A segunda, o que fazer para reverter os danos previstos.

Para os mais afoitos líderes da corrente que acredita na iminência das catástrofes, a resposta à primeira pergunta é muito simples: o culpado é o estilo de vida perdulário que prevalece nos países desenvolvidos, capitaneados pelos Estados Unidos, que, inclusive, não assinaram o Protocolo de Kioto! A resposta à segunda pergunta também já foi dada: é preciso promover, a qualquer custo, a redução imediata no consumo de petróleo e de carvão, substituindo-os por fontes alternativas de energia limpa.

Entretanto, há um reduzido número de pessoas que discorda dessas avaliações quanto aos vilões apontados e a adoção de soluções simplistas para questões tão complexas. Vejamos algumas reflexões e ponderações desse grupo minoritário.

Ao inventar a agricultura, há cerca de 10 mil anos, abandonamos a vida nômade de catadores de frutos para nos estabelecer em pequenos aldeamentos à espera da colheita. Embora a agricultura tenha exigido a remoção sistemática de florestas, a irrigação artificial e a domesticação de animais, todas elas atividades que resultam em drásticas modificações no ambiente natural ¿ inclusive com emissão significativa de gases estufa, como o CO e o metano ¿ seus benefícios para a preservação da vida na Terra são incalculáveis.

Mais ainda, o convívio nas aldeias e a proximidade com os animais domesticados provocaram o surgimento de doenças como a varíola e o sarampo, transmitidos através dos rebanhos. Não se pode dizer que houve culpados, nem que havia outra alternativa menos devastadora que garantisse a segurança alimentar e que tenha sido abandonada em prol da agricultura. Levamos séculos para debelar essas doenças. Eliminamos várias e hoje já conseguimos controlar grande parte das demais, através das vacinas e da progressiva melhoria das condições de vida. O sucesso da empreitada está sendo alcançado não pela restrição à atividade agrícola, ou ao convívio em cidades, mas sim pela riqueza proporcionada pelo próprio desenvolvimento da agricultura e a conseqüente expansão do comércio mundial.

Com o advento da era industrial, no início do século XVIII, prosseguimos numa escalada de incorporação de novos conhecimentos, através de um ciclo virtuoso de descobertas científicas e inovações que resultaram em sucessos inesperados em prol da vida, criando perspectivas alentadoras para o futuro. Sem minimizar as dificuldades enfrentadas, tais como guerras, instabilidade econômica, desigualdades sociais e até equívocos no uso de recursos naturais, chegamos aos dias de hoje com duas conquistas importantíssimas.

A primeira é uma economia globalizada, forte e estável. A segunda ¿ conseqüência da primeira ¿ é uma sofisticada rede de instituições de ciência e tecnologia. Assim, para que seja possível o desenvolvimento de alternativas viáveis de substituição ¿ em larga escala e a médio prazo ¿ dos combustíveis fósseis tradicionais (carvão e petróleo) que formam a base da segurança energética do mundo contemporâneo, é indispensável aperfeiçoar e preservar estas duas conquistas.

As previsões de uma possível elevação do nível dos oceanos ¿ por desequilíbrios no efeito estufa causados por ações humanas ¿ foram estabelecidas para um cenário em que nada será feito, daqui até 2100, para mudar o padrão atual de consumo de combustíveis fósseis. Entretanto, basta analisarmos o extraordinário aumento de eficiência dos sistemas de produção e uso de energia, alcançado ao longo dos últimos 250 anos, para concluirmos que na verdade esses avanços estão apenas começando. A sorte é que eles ocorrem muito mais por razões econômicas e de mercado do que por imposições políticas em favor do meio ambiente. E esta é de fato a melhor garantia de que dispomos para afirmar que estamos avançando em direção a um mundo ainda mais seguro, livre de inundações oceânicas e sem escassez de água potável.

Se agirmos com a confiança e a perseverança dos inventores da agricultura, novas fontes de energia chegarão ao mercado, de forma competitiva, a tempo de evitar as catástrofes anunciadas. O homo faber, ou seja, aquele que preserva a vida através do uso inteligente de suas ferramentas estará a salvo para enfrentar futuros desafios e riscos para sua sobrevivência.

CARLOS COSTA RIBEIRO é professor e atuou, como especialista contratado, junto ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

N. da R.: Elio Gaspari está de férias.