Título: `A crise tem aspecto psicológico¿
Autor:
Fonte: O Globo, 19/05/2007, O Mundo, p. 36

BERLIM. Para o cientista político Andrey Zagorski, do Instituto de Relações Internacionais de Moscou, a atual crise entre União Européia (UE) e Rússia decorre do fato de os dois lados passarem no momento por um processo de transformação. Em alguns aspectos, lembrou ele em entrevista ao GLOBO, os detalhes da crise são como traumas do passado que devem ser vistos pelo aspecto psicológico: de um lado, a antiga superpotência; de outro, os países que faziam parte dela ou eram da sua área de influência e hoje estão na rica UE.

Graça Magalhães-Ruether

O estilo excessivamente direto usado pela chanceler alemã, Angela Merkel, representando a UE, e o presidente russo, Vladimir Putin, significa uma nova era fria nas relações entre a UE e a Rússia?

ANDREY ZAGORSKI: É pelo menos uma crise que tem origem no fato de os dois, a UE e a Rússia, passarem atualmente por um processo de transformação. A Rússia teria tido interesse em levar adiante o acordo de cooperação e parceria com a UE, que já vem sendo negociado há anos. Mas as idéias de como deve ser esse acordo são diferentes, e a Polônia veta um acordo com a Rússia.

As divergências com a Polônia têm a mesma origem da polêmica sobre o monumento na Estônia?

ZAGORSKI: Em parte sim porque mostra a dificuldade de relacionamento, que pode ser encarada do ponto de vista psicológico. É o relacionamento entre a antiga superpotência e os países que faziam parte dela ou eram da sua esfera de influência, que hoje demonstram mais autoconfiança como países membros da rica União Européia. Os países do antigo bloco leste buscam no nacionalismo uma nova autoconfiança. E há também a contrapartida: esses países passaram a ter uma imagem bastante negativa na Rússia. Nos dois casos, da Polônia e da Estônia, o problema poderia ser resolvido rapidamente apenas com mais diálogo. Mas os dois países também mostraram posições inflexíveis.

No centro das divergências estão ainda a independência de Kosovo e o plano americano de instalação de um escudo antimísseis na Polônia e na República Tcheca. Como isso é visto na Rússia?

ZAGORSKI: No caso de Kosovo, a Rússia defende uma posição que seja aceita também pela Servia. O novo status deve satisfazer tanto a Kosovo quanto à Sérvia, exatamente para evitar um ressurgimento do conflito. Já o escudo antimísseis é visto de forma bastante crítica pela Rússia. Trata-se de um retrocesso no processo de desarmamento.

Por que a posição russa é hoje bem mais ríspida com o Ocidente do que nos últimos anos?

ZAGORSKI: Como eu falei antes, há um processo de transformação. Desde que a Rússia pagou a sua dívida externa e recuperou a força econômica, mudou de posição em relação ao Ocidente. Uma pesquisa recente indica que cerca de 70% dos russos são contra uma aproximação com a União Européia. Isso não significa que não haja interesse em aproximação. Hoje são apontadas as diferenças. Nós esquecemos o que há em comum ¿ quase tudo: as opiniões sobre o Irã, o Oriente Médio, proteção do clima. Há muito em comum, apesar da crise.