Título: De uma vez, 77 na cadeia
Autor: Yafusso, Paulo e Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 05/06/2007, O País, p. 3

PF desbarata máfia de caça-níqueis em seis estados e vasculha casa de irmão de Lula.

APolícia Federal prendeu ontem, em seis estados e no Distrito Federal, 77 integrantes de uma quadrilha acusada de envolvimento com a máfia dos caça-níqueis. Durante a Operação Xeque-Mate foram cumpridos também 50 mandados de busca e apreensão - um deles, em São Bernardo do Campo (SP), na casa de Genival Inácio da Silva, o Vavá, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Arquivos do computador da casa de Vavá foram apreendidos, segundo policiais. A polícia não revelou, porém, o que mais foi apreendido nem o grau do suposto envolvimento de Genival com a quadrilha. Ano passado, Vavá foi acusado de fazer lobby para empresas do ABC paulista junto ao Palácio do Planalto.

Na operação, foi preso Dario Morelli Filho, assessor técnico da Empresa de Saneamento e Água da Prefeitura de Diadema (SP), administrada pelo PT. Segundo informações de petistas da cidade, não confirmadas pelo Palácio do Planalto, ele trabalharia também como segurança de parentes de Lula.

Em Nova Délhi, na ìndia, onde está em visita oficial, o presidente Lula ficou muito aborrecido ao saber da operação apenas pelas noticias veiculadas pela internet, demonstrou muita irreitação com as buscas à casa do irmão e teria chegado a pedir o cancelamento de parte de sua agenda. De acordo com fontes do Palácio do Planalto, porém, o ministro da Justiça, Tarso Genro, teria comunicado o gabinete da Presidência assim que soube do envolvimento de Vavá na Operação Xeque-Mate.

Segundo o delegado Alexandre Custódio, que comandou a Xeque-Mate, somente hoje o grau do suposto envolvimento do irmão do presidente com a quadrilha será detalhado. O delegado também não informou o que os policiais procuravam na casa de Vavá e nem o que levaram. Todos os presos são acusados de contrabando e descaminho, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva, sonegação fiscal, formação de quadrilha, tráfico de influência e exploração de prestígio.

Prisões temporárias valem por 5 dias

As prisões, determinadas pelo juiz da 5ª Vara Federal de Campo Grande (MS), Dalton Igor Kita Conrado, são temporárias, válidas por cinco dias, podendo ser prorrogadas por mais cinco, caso a Justiça autorize. Ao todo, eram 87 mandados de prisão. Foram mobilizados 600 policiais federais para a Operação Xeque-Mate em Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Rondônia.

Em São Paulo, foi preso o advogado Márcio Socorro Pollet, acusado de negociar decisões da Justiça Federal. Documentos apreendidos pela PF na Operação Têmis mostram que a juíza federal Maria Cristina Barongeno circulava com motorista em um Gol registrado em seu nome. Mas o ex-proprietário do veículo é o escritório Pollet Advogados Associados, e a PF suspeita que o carro foi dado à juíza.

Em Campo Grande, o foco principal da operação foi a casa do ex-deputado estadual pelo Paraná Nilton Cezar Cervo (PDT), que não foi localizado e está foragido. Foram presos a mulher e o filho dele, além de um segurança e o vigia da casa, que estava armado, mas não tinha autorização para portar arma de fogo. Segundo a PF, Cervo é o chefe da quadrilha; no ano passado, várias máquinas caça-níqueis que pertenceriam a ele foram apreendidas. Outro preso em Mato Grosso do Sul é o empresário Jamil Name Filho, sobrinho do presidente da Assembléia Legislativa, Jerson Domingos.

As investigações da PF tiveram início há seis meses e estão distribuídas em dois inquéritos instaurados pela Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Fazendários, da Superintendência da PF no Mato Grosso do Sul. A apuração teve início com a descoberta de que os integrantes do bando estavam contrabandeando, do Paraguai, componentes eletrônicos para a fabricação das máquinas de caça-níqueis no Brasil. Para trazer ilegalmente essas peças, eram pagas propinas a policiais. A quadrilha agia na fronteira entre Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero e na de Foz do Iguaçu (PR) com Ciudad del Este.

Dos 77 presos, 56 são de Mato Grosso do Sul. O delegado disse que o trabalho para desarticular a máfia dos caça-níqueis foi intensificado a partir da Operação Têmis, realizada há um mês. Cinco grupos comandavam a exploração do mercado de caça-níqueis no MS, com a colaboração de juízes federais em São Paulo. Havia cinco quadrilhas que, embora fossem concorrentes diretas, em muitos momentos se uniam e formavam um consórcio para pagar propina a policiais.

- Essas cinco quadrilhas, antes da Operação Têmis, chegavam a faturar R$250 mil por dia com os caça-níqueis. Agora vai demorar muito tempo para que eles se reorganizem - disse o delegado Custódio.

Na Operação Artemis III, derivada da Operação Têmis, realizada em abril deste ano em Campo Grande, foram apreendidos 162 caça-níqueis. Em Mato Grosso do Sul, dos 56 presos, 14 são policiais, entre eles os tenentes-coronéis Marmo Marcelino Vieira, que chegou a ser condenado pelo envolvimento com uma quadrilha de ladrões de carros, e Edson Gonçalves da Silva. Outro oficial é o major Sérgio Roberto de Carvalho, já condenado por tráfico de drogas. Carvalho terminou de cumprir pena recentemente. Mesmo tendo sido condenado, conseguiu na Justiça manter a patente e continuar recebendo salário de oficial da PM. No início do ano, a PF apreendeu na chácara do tenente-coronel Edson centenas de máquinas caça-níqueis.

De acordo com o delegado, as quadrilhas pagavam para que as atividades não sofressem com as ações da polícia ou da fiscalização. Com isso, eles colocavam os caça-níqueis para funcionar sem nenhum entrave.

- Os policiais militares presos recebiam o dinheiro das mãos dos líderes das quadrilhas, não havia intermediários - afirmou.

Segundo a PF, num dos inquéritos é apurado o possível envolvimento de policiais de Três Lagoas (MS) com o tráfico de drogas. A PF já descobriu que eles praticaram crimes de corrupção passiva (recebiam dinheiro de criminosos) e estão envolvidos com comércio ilegal de armas e tortura. Entre os policiais civis presos em Campo Grande está o delegado Fernando Augusto Soares Martins, da Delegacia de Ordem Política e Social (Deops), responsável pela liberação de alvarás para casas noturnas e pelo fornecimento de registro e porte de armas. Também foi preso o inspetor Edmo Medina Marqueti.

Em São Paulo, a PF fechou um escritório da quadrilha em Votorantim, perto de Sorocaba: com fachada de residência, fazia a contabilidade da arrecadação das máquinas. A PF apreendeu máquinas caça-níqueis, disquetes e placas de computadores.

* Especial para O GLOBO