Título: RCTV deflagra duelo na OEA
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Fonte: O Globo, 05/06/2007, O Mundo, p. 30

Condoleezza sai após discutir com chanceler venezuelano e pedir investigação sobre fim da emissora

CIDADE DO PANAMÁ

Acrise na Venezuela pelo fechamento de um canal privado chegou ontem à 37ª Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Cidade do Panamá, com um duelo verbal entre Washington e Caracas sobre liberdade de expressão e direitos humanos. A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, retirou-se da sala após discutir com o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, que se opôs à inclusão do caso da Radio Caracas Televisión (RCTV) na agenda da reunião. Condoleezza disse que a recusa em renovar a concessão do canal opositor é, provavelmente, a medida antidemocrática mais drástica que o governo Hugo Chávez já tomou, enquanto que Maduro comparou a prisão de Guantánamo a ações da Alemanha nazista.

- A democracia deve estar sempre em debate - afirmou Condoleezza, defendendo-se das críticas de Maduro, que acusara os Estados Unidos de tentarem "violentar a agenda da reunião com o assunto da RCTV". - Esta não é a primeira medida desse tipo na Venezuela, mas é talvez a mais aguda.

O confronto ocorreu numa reunião que deveria tratar de energia, mas que foi ofuscado pela discussão entre Condoleezza e Maduro. Em seu primeiro pronunciamento, Condoleezza pediu que a OEA envie uma comissão à Venezuela para investigar o caso da RCTV, sugerindo que o próprio secretário-geral da organização, José Miguel Insulza, deveria ir a Caracas analisar o assunto que despertou protestos no país e no exterior.

- Não vejo como fechar um canal de oposição pode ser visto como algo que não seja uma medida antidemocrática - disse Condoleezza. - Nós, membros da organização, temos que defender a democracia e apoiar a liberdade sempre.

Maduro rebateu as acusações e pediu respeito à soberania do país.

- Se vamos falar de direitos humanos, é preciso fazer um estudo profundo sobre as violações por parte dos EUA - disse o chanceler, citando o muro entre o país e o México para deter imigrantes ilegais: - São perseguidos e caçados como animais. O pronunciamento da representante dos Estados Unidos constitui um intervencionismo inaceitável.

"Algo comparável à época de Hitler"

O chanceler também sugeriu que a OEA deveria investigar a prisão de Guantánamo, onde estão detidos 380 estrangeiros suspeitos de terrorismo. Condoleezza não escondeu sua irritação, fez uma réplica de dois minutos e em seguida saiu da sala:

- Seria difícil para qualquer comissão debater mais exaustivamente, investigar mais e criticar mais as políticas americanas do que é feito toda noite na CNN, na ABC, na CBS, na NBC - disse ela. - Essa é a questão da liberdade de imprensa.

Maduro, então, retomou o tema, acusou os EUA de manterem prisioneiros seqüestrados em Guantánamo e perguntou por que Washington não convida a TV venezuelana a entrevistar os detidos.

- É algo monstruoso, só comparável à época de (Adolf) Hitler, que ainda existam prisões clandestinas, com prisioneiros sem rosto e sem nome.

A RCTV saiu do ar à meia-noite do dia 27 passado, após não ter sua concessão renovada em meio a acusações do governo de participar do golpe de 2002. Agora a ameaça paira sobre a Globovisión - o último canal opositor restante e que na semana passada foi chamado pelo presidente Chávez de ser "inimiga do Estado".

Apesar de o fechamento da RCTV ter despertado muitas críticas internacionais, os participantes da Assembléia Geral da OEA evitavam tocar no assunto. O embaixador da Venezuela na organização, Jorge Valero, afirmou que o caso não será incluído no projeto de resolução, considerando o fato "uma vitória diplomática".

- Quem pretendia usar a OEA para desqualificar a Venezuela foi derrotado - comemorou ele.

Mas do lado de fora do Centro de Convenções Atlapa, sede das sessões da Assembléia Geral, 200 jornalistas panamenhos protestavam contra o fim da RCTV. Os manifestantes, muitos deles vestidos de preto e convocados pelo Colégio Nacional de Jornalistas, pediam que a OEA não ficasse surda ao que chamaram de "déficit democrático na Venezuela".

- Conhecemos as medidas como essas adotadas por Chávez porque vivemos 20 anos de ditadura - disse o diretor de notícias do jornal "Estrella de Panamá", Gerardo Berroa.

Pela manhã, mais de cem emissoras de rádio e uma dezena estações de TV panamenhas tiraram seus sinais do ar por 30 segundos. Pelo menos sete jornais imprimiram em preto a segunda página com a frase: "Sem expressão não há liberdade. Nem na Venezuela nem no mundo.". Enquanto isso, um grupo de funcionários da RCTV estava no Panamá, pedindo o apoio da OEA.

Em Caracas, milhares de estudantes universitários seguiram até o Tribunal Supremo de Justiça, após uma longa discussão com as autoridades, que queriam transferir a manifestação para uma região deserta. Os jovens se negaram a seguir pelas margens do Parque Nacional El Avila, que separa o norte da capital do Mar do Caribe. Os estudantes, por fim, conseguiram passar pelas ruas e as avenidas da capital, e na corte entregaram à presidente do tribunal, Luisa Estella Morales, uma carta pedindo garantias para os direitos civis e para as manifestações. Na sexta-feira, eles tiveram negada a autorização para uma passeata.

- O caminho que o governo queria nos impor hoje era uma piada. Lá só tem árvores e pássaros - disse Yon Goicoechea, estudante de direito da Universidade Católica Andrés Bello. - Mostramos que com paz e diálogo podemos mudar a situação.

Alguns dos policiais que estavam ao longo do percurso receberam cravos vermelhos e brancos dos universitários. Os jovens têm liderado os protestos pela liberdade de expressão, tentando mantê-los pacíficos e independentes de partidos políticos. Manifestações semelhantes foram realizadas em Valencia, Maracay e San Cristóbal.

- Liberdade! Somos estudantes, não somos golpistas - gritavam, rejeitando a acusação do governo de que estariam sendo manipulados e usados num plano da oposição.

Ontem à noite, o principal programa de humor da RCTV, a Radio Rochela, deveria voltar ao ar num programa especial transmitido pela Globovisión, com paródias das notícias do dia.