Título: A PF atesta...
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 06/06/2007, O Globo, p. 2

Em outro momento, a busca realizada pela Polícia Federal na casa de Vavá, irmão do presidente Lula, teria sido devastadora. Mas, agora, o governo não está na defensiva e vem até faturando as investidas da PF contra a corrupção, mesmo quando não é dele a iniciativa. Pressentindo a receita da limonada, a oposição evitou explorar o assunto. Desse jeito, a PF lhe tira o discurso de que o governo açula a PF contra os adversários.

Ante a confirmação de que Lula foi previamente informado da diligência e nada fez para impedi-la, ele pode ficar ainda melhor na foto. O ministro Tarso Genro falou com ele na Índia por volta das quatro horas da manhã, de segunda para terça-feira. Duas horas antes, portanto, da chegada dos agentes à casa do irmão. Horas depois, quando a notícia correu, Tarso passou a brandir o republicanismo da PF, que não veria sobrenomes e parentescos na hora de investigar. Em Délhi, Lula não escondeu a contrariedade, mas saiu-se bem. Defendeu o irmão, externou confiança em sua inocência, mas mostrou resignação republicana, diria Tarso, ao observar que ele não é diferente de nenhum outro brasileiro. Que lhe restava apenas aguardar o resultado da investigação.

À oposição, não convinha agora repetir as estridências de 2005, quando o PT e o governo ardiam na fogueira do valerioduto. "O que nos falta agora é ajudar o Lula a faturar com a investigação do irmão pela PF", dizia ontem o líder do DEM, Onyx Lorenzoni, recomendando cautela aos pares. Mas alguém certamente ainda dirá que, informado, Lula pode ter instruído o irmão a destruir provas.

De todo modo, o presidente e o ministro da Justiça saem favorecidos pelo episódio em outra questão, até mais importante. Desde a deflagração da Operação Navalha, que feriu muita gente da oposição, embora tenha atingido de raspão alguns aliados, eles vêm sendo acusados, aos gritos ou aos sussurros, de estarem insuflando a PF contra os adversários e/ou aliados espaçosos, como os do PMDB. Alguns vão mais longe, sugerindo que as operações da PF estão servindo ao enfraquecimento do Parlamento, em detrimento de um Executivo que se fortalece, passando ao largo dos escândalos e criando o ambiente propício a um regime populista-autoritário.

A verdade parece ser bem menos fantástica ou fantasiosa. O que parece claro é que a PF adquiriu extrema autonomia, sobretudo depois que Tarso manteve o delegado Paulo Lacerda como diretor interino, o que teria deflagrado a disputa interna pela sucessão e rompido os controles que o diretor antes detinha. Em tais circunstâncias, a fúria investigativa da PF estaria batendo em Chico e também em Francisco. Em adversários, aliados e até em irmão do presidente da República. A sanha da PF é saudável, se mantida dentro dos marcos da legalidade. Essa teria sido a única pergunta de Lula a Tarso, ao ser informado da ação programada. Mas é temerária a afirmação do presidente, de que não serão molestados aqueles que não fizerem nada errado. Ele repetiu isso na Índia, depois de quase jurar pela inocência do irmão. Na ditadura, muita gente foi presa e até torturada sem ter feito nada de errado. Ou seja, contra o regime. Por engano, inépcia ou perseguição de aparelhos repressivos que agiam com total autonomia.