Título: Lula foi avisado por Tarso antes de PF vasculhar a casa de seu irmão
Autor: Carvalho, Jailton de e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 06/06/2007, O País, p. 5

MAIS UM ESCÂNDALO: Ministro ligou assim que foi informado por Lacerda.

"Tudo legal? Tem mandado de busca e apreensão?", perguntou o presidente.

BRASÍLIA e NOVA DÉLHI (Índia). O ministro da Justiça, Tarso Genro, avisou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o suposto envolvimento de um de seus irmãos, Genival Inácio da Silva, com a quadrilha investigada pela Operação Xeque- Mate, na noite de domingo, algumas horas antes de a Polícia Federal entrar em ação. O ministro repassou a informação ao presidente logo depois de receber um relato do caso do diretor da PF, Paulo Lacerda. Lula lamentou a sorte do irmão e, depois de ser assegurado sobre a legalidade da operação, endossou o trabalho da polícia.

Lacerda telefonou na noite de domingo para Tarso e disse que, entre os investigados, estava Vavá. Também teria mencionado Dario Morelli Filho, compadre do presidente, na lista de investigados. De acordo com auxiliares de Tarso e de Lacerda, esse é um procedimento de praxe. Poucas horas antes de cada operação, o diretor da PF sempre avisa ao ministro da Justiça sobre o alcance da ação policial.

Lula quis saber se PF estava amparada pela Justiça

O presidente estava na Índia, país com o fuso horário adiantado em oito horas em relação ao horário do Brasil. Quis saber se as ações da PF estavam amparadas por decisões judiciais. Tarso disse que a operação seguiria os limites da lei. Lula teria, então, endossado a ação e lamentado a sorte de Vavá.

- Está tudo legal? Tem mandado de busca e apreensão? - perguntou Lula.

Com a resposta afirmativa, o presidente foi direto:

- Então, manda ver!

Apesar da aparente tranqüilidade, o clima na comitiva presidencial era de perplexidade com a notícia. Já no café da manhã no restaurante do hotel (entre meia-noite e uma da manhã em Brasília), os brasileiros que estavam há alguns dias por ali - diplomatas, outros funcionários do governo e empresários - evidenciavam o desconforto.

Os poucos que já haviam tido acesso à suíte presidencial contaram que o humor do presidente era péssimo, muito diferente da noite anterior, quando exibia sorrisos. Lula chegou a descer aos jardins do hotel para uma pequena caminhada, bem cedo, e demonstrava bom humor. Mas, segundo relatos, mais tarde o presidente esbravejou bastante.

Ao ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, e a todos que buscaram informações, Tarso disse que a PF cumpria determinação da Justiça. O vice-líder do governo, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), desconfiou da ação da PF:

- Tudo isso é muito estranho. A percepção é que não existe comando na PF.

O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), amigo da família do presidente, também não escondia a contrariedade. Disse que foi informado da ação da Polícia Federal no mesmo instante, pois recebeu um telefonema de outro irmão de Lula, o Frei Chico. Em seguida, Devanir avisou o comando do PT.

- Parece que a PF vive uma disputa interna, e que o Vavá foi usado nessa briga. Isso é preocupante - disse Devanir.

Alguns parlamentares da oposição, com o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgilio (AM) levantaram a necessidade de investigar a possibilidade de agentes da PF terem feito alguma gestão para avisar Vavá antes da operação de busca e apreensão.

- É preciso investigar se houve alguma facilitação por parte de algum agente. Se o irmão do presidente está sendo investigado, ele não pode chefiar a PF - disse Virgílio.

Para alguns auxiliares do presidente, a PF demorou em avisá-lo. Vavá prestou depoimento, na segunda-feira, logo depois de sua casa ser vasculhada. Para a PF, Vavá cobrava comissões para intermediar contatos de integrantes da máfia dos caça-níqueis com autoridades, mas não há indicativos de que tenha cumprido as promessas.

No núcleo do governo, o episódio é atribuído por alguns a disputas internas na PF. O temor é que Tarso Genro tenha perdido o controle sobre a Polícia Federal. Desde que Tarso assumiu a pasta, ainda não foi definido o futuro do comando da do órgão. O atual superintendente, Paulo Lacerda, havia pedido para deixar o cargo, mas agora teria desistido de sair. Interlocutores do presidente Lula acreditam que o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos tinha mais autoridade e comando das ações da PF.

No Planalto, o clima era de cautela. Um assessor chegou a lembrar que não é de agora que Vavá costuma dar problemas. Citou o episódio de 2005, quando ele foi acusado por tráfico de influência depois de tentar intermediar pedidos de empresários para prefeituras petistas, estatais e órgãos do governo federal, como a Caixa Econômica Federal e a Secretaria Geral da Presidência. Na ocasião, ele chegou a abrir um escritório em São Bernardo do Campo.

Presidente Lula recebe empresários indianos

Ontem, antes de embarcar para a Alemanha, Lula decidiu manter a agenda na Índia, mesmo irritado. Na suíte presidencial, recebeu Sônia Gandhi, nora italiana de Mahatma Gandhi, que é presidente do Partido do Congresso, além de empresários indianos dos setores farmacêutico e energético.

Antes do almoço de despedida oferecido pelo embaixador brasileiro José Vicente Pimentel, Lula visitou o Museu Mahatma Gandhi, o local onde o herói indiano viveu seus últimos 144 dias e foi assassinado. A Tara Gandhi, uma das netas do herói indiano, Lula disse que leu o livro "Nesta Noite a Liberdade" (de Dominique Lapierre e Larry Collins, sobre a independência da Índia e a trajetória de Gandhi). Numa sala onde há uma réplica perfeita, em argila de Gandhi e sua mulher, Lula assinou o livro de visitas com a mensagem: "A liberdade é a maior conquista da humanidade. Ninguém representou mais que Gandhi a luta pela liberdade. Ele foi capaz de lutar sem violência e com muito amor".

* Enviada especial