Título: Segundo a Odebrecht
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 08/06/2007, Economia, p. 22

A matriz energética do país está mudando. A hidrelétrica perderá espaço nos próximos anos mesmo que as usinas do Rio Madeira sejam autorizadas e construídas. A energia vinda das hidrelétricas continuará a mais relevante, mas se hoje é 87% da matriz, em 2016 será 69%, mesmo com Madeira. Essa é a análise feita pela Odebrecht, uma das autoras do projeto das usinas de Jirau e Santo Antônio.

Esta semana, numa longa conversa com dois diretores da Odebrecht, Pedro Novis e Irineu Berardi Meirelles, eles defenderam a construção das hidrelétricas como sendo "um projeto do país, que esteve no programa eleitoral de todos os candidatos". Não foi o primeiro contato com eles. Já estive na empresa vendo as apresentações e conversando com todos os técnicos. As colunas que tenho escrito, lembrando as dúvidas em relação ao projeto, são por ouvir também os críticos ou os que mantêm ainda questões.

Os diretores informaram que, a partir das dúvidas levantadas no parecer dos técnicos do Ibama, sobre peixes, sedimentos e mercúrio no leito do Rio Madeira, novos estudos foram feitos e já enviados para o Ministério do Meio Ambiente.

- Foram mais de 300 páginas de explicações para responder a mais de 60 perguntas feitas pelos técnicos nesta etapa - disse Berardi.

Sobre os peixes, contam que eles terão um canal natural, para subir o rio para se reproduzir, construído de tal forma que apenas os que já subiam, subirão. Evita-se, assim, levar para a montante do rio predadores que naturalmente não subiriam.

- É um canal seminatural, que imita as condições da Natureza - explicou Berardi.

O fato de tantas espécies - quase 500, algumas ainda não identificadas - terem sido encontradas lá não é por o Rio Madeira ser mais piscoso que outros. Isso se deve aos estudos.

- A variedade dos peixes encontrados é prova da profundidade dos estudos deste Eia-Rima - disse Irineu.

Outro ponto de dúvida é o fato de que nunca foi feita uma usina com esta mesma tecnologia, a de turbina bulbo, com tão alta potência. As outras que existem no mundo são de muito menor porte.

Pedro Novis acha que a forma de olhar o problema é que está equivocada:

- O conceito está errado. Não é a potência da hidrelétrica que é importante, mas, sim, o diâmetro da turbina. E existem outras no mundo com diâmetro maior. Além disso, não é exatamente uma inovação, porque já foi usada a mesma tecnologia bulbo em Igarapava, em Canoas I e II.

Outros técnicos pensam que o conceito relevante mesmo é o número de turbinas postas lado a lado. A maior hidrelétrica de turbina bulbo é a Lingjintan, no Japão, que tem 9 turbinas. As do Rio Madeira terão 50 cada uma. Em resumo, nunca antes se fez uma usina tão grande usando essa tecnologia. Ela sempre foi usada em pequenas centrais.

Eles afirmaram que, depois de dois anos de amplos estudos, estão convencidos de que o projeto é bem-sucedido tanto na avaliação ambiental quanto na econômica e que não têm medo das condições difíceis da floresta:

- Já fizemos uma casa de força dentro de um vulcão, no Peru; fizemos projetos em área protegida da Costa Rica, país conhecido pela preocupação com o meio ambiente. Fizemos obras numa falha geológica da Califórnia. Temos experiência de empreendimentos em áreas difíceis - comenta Novis.

O projeto ainda não tem a licença prévia do Ibama. Quando sair, permite apenas que haja a licitação na qual Odebrecht e Furnas concorrerão com outros. Eles argumentam que não são os naturais vencedores, pois outros consórcios podem se formar oferecendo, inclusive, novas soluções. Preparam-se para entrar no leilão conversando com outros possíveis parceiros, como Petrobras e fundos de pensão, como Petros e Funcef, Santander e grandes bancos de desenvolvimento internacionais.

- Não é uma obra pública - garante Novis, mesmo que metade do projeto esteja sendo tocada por Furnas, uma empresa, como se sabe, estatal.

O que os diretores da Odebrecht explicam é que o projeto inicial, que eles mesmos descartaram, permitiria produzir 30% mais de energia, porém, para tanto, a área de alagamento seria muito maior, podendo atingir terras indígenas.

- Começamos a desenhar o projeto partindo de alguns pressupostos: não atingir áreas na Bolívia, não afetar terras indígenas, reduzir ao mínimo o impacto ambiental - conta Berardi.

Depois da licença prévia, terá que sair a LI, licença de instalação, para que se possa iniciar a obra em si.

- Queremos uma avaliação técnica, e não ideológica. Precisa haver uma licença prévia que não possa depois ser contestada - dizem.

Também argumentam que, apesar do preço, as usinas do Madeira fornecem energia ainda com preço compensatório, dado os custos de alternativas como eólica ou solar. Dizem que o Brasil não pode prescindir de explorar os rios amazônicos. Pelas contas que apresentam, se o país não fizer as usinas de Madeira, nem a de Belo Monte, nem outras hidrelétricas do Norte, acabará chegando em 2016 com apenas 56% da sua matriz em hidreletricidade, elevando fortemente as emissões. Esses são os argumentos da Odebrecht de uma obra que, certamente, continuará alimentando polêmicas e exaltando os ânimos nas empresas, no governo, nas áreas técnicas e ambientais. Madeira está condenada à controvérsia.