Título: Lula compara concessão de TV à de ponto de táxi
Autor: Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 09/06/2007, O Pa[ís, p. 8

Ex-constituintes lembram que PT defendeu participação do Congresso Nacional nas decisões sobre licenças.

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem em Heiligendamm, na Alemanha, que a decisão do colega venezuelano Hugo Chávez de não renovar a concessão da Rádio Televisão Caracas (RCTV) é legítima, e comparou o caso à licença de funcionamento de um "ponto de táxi".

- Não apoiei Chávez nem no primeiro dia, nem ontem ou hoje. Apenas digo que é um problema da Venezuela, e que cada país deve cuidar do seu nariz - afirmou Lula, em entrevista. E completou:

- Chávez cometeu algum crime? Se acaba a concessão de algo, seja um ponto de táxi ou um canal de televisão, quem a concede tem o direito de renová-la ou não. Foi uma decisão legítima.

Em entrevista à "Folha de S.Paulo", publicada ontem, Lula disse que a decisão do presidente da Venezuela foi tão democrática quanto teria sido uma eventual renovação. A RCTV encerrou suas transmissões em 28 de maio passado, depois de Chávez decidir não renovar sua concessão.

Delgado: "Isso foi uma conquista democrática"

As declarações surpreenderam tanto aliados quanto oposicionistas. Constituintes lembraram o trabalho do PT e da esquerda para incluir, na Constituição de 1988, mecanismos de legitimização das decisões sobre concessões, como o aval do Congresso Nacional.

Mesmo sem querer comentar diretamente as declarações de Lula, o ex-deputado constituinte Paulo Delgado (PT-MG) lembrou que seu partido foi um dos que lutaram para garantir, na Constituição, a ampliação dos poderes das organizações sociais, da sociedade civil e do Congresso Nacional.

Um exemplo disso seria, justamente, a inclusão no texto constitucional do dispositivo que obriga que todas as concessões de rádio e TV autorizadas pelo Executivo sejam aprovadas pelo Legislativo. O texto assegura ainda que uma concessão em vigor só pode ser suspensa por decisão judicial.

- Sem dúvida alguma, isso foi uma conquista democrática da Constituinte. O ato de Chávez é um contra-senso à Constituição brasileira, cujo espírito é o de dar maior legitimidade a essas decisões - observou o ex-constituinte petista.

Miro: Constituição evita "atos arbitrários" de poderes

Delgado lamentou ainda que o conceito de democracia hoje tenha gradações diferentes:

- A democracia hoje virou um conceito muito flexível, e não era na época da Constituinte. Nosso objetivo era ampliar o poder de decisão, e não restringi-lo, como acontece hoje na Venezuela. Diria ainda que o presidencialismo brasileiro é democrático; já o da Venezuela é autoritário.

O líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), ex-constituinte e ex-ministro do governo Lula, é outro aliado do Palácio do Planalto que viu com reservas as declarações do presidente, embora acredite que ele tenha se referido à legalidade da decisão de Chávez perante a Constituição venezuelana.

- Eu não conheço a Constituição da Venezuela, mas, no Brasil, a decisão de Chávez não seria democrática. A nossa Constituição de 69, promulgada por junta militar, era chamada de Constituição, mas não era um instrumento democrático - ponderou Miro.

Ele destacou ainda que uma das preocupações da Assembléia Nacional Constituinte de 1988 foi envolver os três poderes da República numa decisão como essa.

- Para que nenhum desses poderes possa exercer atos arbitrários quando contrariados nos seus interesses - acrescentou.

Na opinião do líder pedetista, Chávez poderia ter recorrido à Justiça para coibir eventuais abusos da RCTV durante a tentativa de golpe na Venezuela, em vez de optar por não renovar sua concessão. Atitudes como essa estariam levando muitos países a desconfiar da democracia venezuelana.

Em nota oficial, o presidente nacional do Democratas, deputado Rodrigo Maia (RJ), disse que a postura de Lula deixa "dúvidas sobre suas convicções democráticas e impede que o país esqueça a vocação autoritária que marca sua história e a do seu partido".

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), manifestou preocupação com a possibilidade de Lula repetir atos de seu colega venezuelano.

- Estou apavorado. Isso é muito preocupante, chega a soar como uma ameaça, pois representa uma negação dos valores democráticos. Se ele (Lula) pensa assim, pode fazer isso aqui amanhã. Não deixa de ser um aviso para as empresas detentoras de concessões públicas - reagiu Virgílio.

DEM reafirma que votará contra Venezuela no Mercosul

Na nota divulgada ontem, o presidente do Democratas destacou que o partido está em estado de alerta "contra todo e qualquer ato contrário à democracia", e reafirma sua disposição de votar contra a adesão da Venezuela ao Mercosul, por considerar que o postulante não se enquadra na cláusula democrática.

- Temos de tomar mais cuidado a partir de agora, pois o espírito democrático do presidente Lula e do PT parecem ser de ocasião - reforçou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).

* Com agências internacionais