Título: Quase normal
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 12/06/2007, Economia, p. 24

A palavra que mais se ouviu ontem foi "prudencial" para explicar as decisões do Banco Central sobre câmbio divulgadas na sexta-feira. Em tempos de volatilidade baixa, a tendência é aumentar a exposição ao risco e, por isso, o BC tentou evitar esses excessos. Tudo se passa, na verdade, como se a onda de liquidez mundial fosse durar para sempre.

A Febraban disse ontem que ainda estava analisando as medidas, mas vários economistas explicaram que o objetivo era "prudencial". O BC determinou que a exposição cambial dos bancos caia de 60% para 30% do patrimônio; aumentou a exigência de capital sobre a exposição cambial, e determinou uma mudança regulatória nos conglomerados que atuam no exterior. As posições de dentro e de fora do país entram no mesmo consolidado.

Inicialmente achou-se que a decisão era para tentar reduzir a apreciação do real. Se foi isso, deu o contrário, pois ontem mesmo o real voltou a subir. É verdade que as medidas têm prazo para entrar em vigor, mas, como no mercado financeiro tudo que vai acontecer no futuro produz efeitos no presente, era para ter havido alguma desvalorização.

- O Banco Central já mostrou que não está preocupado com o nível do câmbio em si, por isso as medidas não tinham esse objetivo. O BC quer mesmo é evitar excessos e proteger o sistema bancário, evitar o risco sistêmico - diz Roberto Padovani, do WestLB.

Em momentos como este, de calmaria, a tendência dos investidores é aumentar a exposição por risco. Tudo se passa como se o quadro de hoje fosse eterno, e não passageiro, como sempre na economia. O mercado tende a ficar todo na mesma posição. Se há uma mudança rápida, o risco de ocorrer uma crise sistêmica é grande. Em outras palavras, fica todo mundo achando que o câmbio será baixo para sempre mas, se houver uma alta, por qualquer motivo, os problemas afetarão todos.

Claro que, até onde a vista alcança, os dólares continuarão entrando no país em abundância através do superávit comercial, do investimento direto, do investimento em portfólio, das apostas em renda fixa. Mas houve, na semana passada, momentos de volatilidade para provar que não há calmaria eterna, nem liquidez interminável.

- O fato é que os bancos estão todos muito alavancados - diz um economista.

Qualquer número diferente, notícia um pouco fora do tom, já provoca oscilação maior.

- As bolsas estão muito valorizadas; qualquer motivo leva à redução da exposição e aos períodos de ajuste - lembra Padovani.

Foi o que aconteceu na semana passada, quando ficou claro que o Fed pode não reduzir os juros este ano e que continua preocupado com a inflação. Mas o temor de que esse adiamento na queda dos juros americanos fosse reduzir o crescimento mundial ou o fluxo de recursos para os emergentes durou pouco.

A maioria dos economistas dizia ontem que a economia mundial continuará crescendo, mesmo que os juros não caiam agora.

Alex Agostini, da Austin Rating, acha que não há maiores riscos:

- Embora os indicadores estejam apontando para direções diferentes, vejo poucos riscos de um descontrole na economia americana ou mundial. Acho que o problema maior que os Estados Unidos terão que enfrentar, e que não tem como ser resolvido no curto e médio prazo, são problemas políticos, como a guerra do Iraque, as brigas com os países fornecedores de petróleo, sendo que eles são os grandes consumidores do mundo - afirma.

Se os juros americanos não vão cair tão cedo; aqui, a expectativa é de novos cortes de 0,50 ponto percentual. Padovani acha que pode haver três cortes deste tamanho, no que ele chama de "ciclo de 0,50":

- Estou trabalhando com uma inflação este ano de 3,2%; o mercado está trabalhando com um pouco mais, mas a meta é de 4,5%. Sobra um tremendo espaço para queda dos juros.

O que acontece aqui pode ser visto como a última fronteira da busca da normalidade monetária. O país se livrou da inflação alta, adotou o câmbio flutuante preservando a moeda, passou por mudança de governo mantendo a política econômica e o câmbio flutuante, apesar da valorização da moeda, e está num processo forte de queda de juros. Eles ainda são altos demais por qualquer comparação externa que se faça, mas a tendência é declinante. Aí o país precisa pensar os novos passos.

Um deles é a redução do compulsório, que hoje é de 45% sobre depósitos à vista. Isso pode aumentar a oferta de crédito e, assim, derrubar os juros privados. Mas é possível que isso só ocorra gradualmente e no ano que vem. O temor no Banco Central é pela coincidência entre queda dos juros e afrouxamento dos compulsórios. Somados, eles poderiam ter um impacto grande no crédito e no nível de atividade.

Há um outro problema, lembra um técnico do governo, nesta caminhada para a normalidade.

- Há planos de previdência no Brasil, de benefício definido, que garantem remuneração de IPCA mais 6%. Há toda uma estrutura de taxas no Brasil herdada do tempo dos juros altos e que agora terá que se adaptar a uma inflação menor e juros menores.

No caminho da normalidade do Brasil, ainda tem algumas pedras.