Título: Luta pelo voto
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 13/06/2007, O País, p. 4

A maneira como o eleitor vai escolher seus candidatos nas próximas eleições pode vir a ser decidida na Justiça, isso porque, ao que tudo indica, hoje à noite a votação em lista fechada será aprovada, mostrando a força de pressão das cúpulas dos maiores partidos - PMDB, PT, DEM e PSDB -, mas desencadeando em contrapartida um movimento que tentará levar às ruas o protesto, alegando que o direito do eleitor de votar em seu candidato está sendo cassado por um "golpe parlamentar". A Força Sindical já se posicionou contra em nota oficial, e os demais movimentos sociais serão procurados para pressionar, através da mobilização da opinião pública, pela convocação de um plebiscito para referendar a mudança, ou por uma decisão do Supremo Tribunal Federal considerando inconstitucional a alteração.

Mas, como a maioria dos grandes partidos fechou questão a favor das listas, não é certo que os movimentos sociais se integrem plenamente nessa batalha. O sistema de lista fechada fará com que as direções partidárias saiam fortalecidas no processo de escolha dos candidatos às eleições, e esse fortalecimento tem aspectos bons e ruins. Em tese, o fato de o candidato ficar mais dependente da legenda pela qual se elegeu é um fator de estabilidade política, dando mais coerência às votações no Congresso e, juntamente com a fidelidade partidária que será aprovada no bojo da reforma política, poderá tornar o troca-troca de partidos um fenômeno em extinção na política brasileira. Ao mesmo tempo, as direções partidárias, que ainda por cima terão a verba oficial do financiamento público de campanha, ganharão poder muito maior do que o que já detêm, e no limite terão poder final na decisão de quem concorre e, mais que isso, de quem se elege.

Um partido que tradicionalmente elege dez deputados, por exemplo, poderá pôr dez candidatos protegidos da cúpula nos primeiros lugares da lista. A atitude, no entanto, pode ser punida nas urnas se os protegidos não tiverem votos, só prestígio interno, pois o partido poderá perder terreno nas eleições seguintes, o que indicaria que as direções partidárias teriam que ter um mínimo de cuidado nessa montagem.

Esse sistema também dificultaria a renovação na política, pois os candidatos mais votados de cada partido teriam seus lugares garantidos nas listas. Essa não seria uma diferença muito grande da maneira como hoje são escolhidos os candidatos pelos partidos, com a diferença de que vários políticos tradicionalmente bem votados podem de repente perder esse prestígio junto ao eleitor, por razões diversas.

Com as listas fechadas, o eleitor não poderia desistir de votar em alguém simplesmente para experimentar uma novidade, ou porque se decepcionou com a atuação de seu candidato. Há maneiras de atenuar certos problemas da lista fechada, como adotar a regra de que o eleitor pode mudar a relação dos candidatos na urna.

O cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, é simpático à lista fechada, mas acredita que o maior problema "é a ausência de um mecanismo de accountability (ter responsabilidade) personalizada, ou seja, uma forma de estimular uma ligação mais direta dos representantes com os seus eleitores".

Ele lembra que, embora o sistema atual tenha uma série de distorções, os deputados "são movidos pela necessidade de sempre estarem conectados às bases. No sistema de lista fechada, a principal motivação do deputado é cultivar o trabalho partidário (que garante a boa posição da lista na eleição seguinte). Por isso, o parlamentar tem muito pouco interesse de prestar contas de seu mandato à população em geral".

Segundo Nicolau, grande parte das reformas feitas recentemente em outras democracias "tem procurado alguma combinação que garanta simultaneamente o voto partidário e algum tipo de responsabilidade pessoal. Muitos países (Itália, Japão, Nova Zelândia, Bolívia, Venezuela) adotaram sistemas mistos, que combinam a lista fechada e o voto majoritário-distrital. A Suécia, depois de uma longa discussão, abandonou o sistema de lista fechada por um sistema de lista flexível, que permite que o eleitor altere a lista". A adoção da "lista flexível" poderia ser considerada na regulamentação da lista fechada, diz Nicolau.

Existe também a possibilidade de a lista ser definida em prévias partidárias, o que daria condições aos militantes de influir na decisão das cúpulas. O sistema de lista fechada facilitaria o financiamento público de campanha eleitoral, pois os partidos, e não os candidatos isoladamente, fariam a campanha. Mas há uma reação grande da opinião pública, que vê nele não uma maneira de coibir desvios, mas de dar mais dinheiro aos políticos.

O deputado Miro Teixeira, um dos maiores críticos da lista fechada, diz que sua adoção no sistema presidencialista não tem exemplos bons. Ele considera que o sistema fará com que os executivos dominem os partidos e as bancadas, e cita a Argentina, onde a maioria dos deputados seria de parentes de governadores e senadores.

A contestação à adoção da lista fechada será feita com base na interpretação de artigos da Constituição. Miro acha que, ao se referir ao "voto direto", o texto constitucional impede o que ele chama de "voto indireto", o da lista. Ele diz também que, como as coligações partidárias estarão virtualmente impedidas pelo voto de lista, essa impossibilidade também viola preceito constitucional.

Tudo indica que a discussão do assunto, se não demorar no Congresso, será levada às ruas e à Justiça. A tentativa será convencer o eleitorado de que, assim como no plebiscito do parlamentarismo queriam tirar o direito de votar diretamente no presidente, também a lista fechada impedirá a escolha pessoal do seu candidato.