Título: A Vale e o gusa
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 20/06/2007, Economia, p. 24

A Vale vai suspender o fornecimento de minério de ferro aos produtores de gusa de Carajás pelo uso de carvão de desmatamento. Em 2008 expiram os contratos de fornecimento, e eles não serão renovados, garante a diretoria da empresa. Roger Agnelli acha que o Brasil deveria perseguir o desmatamento zero da Amazônia. A Vale tem projetos de construção de uma termelétrica a carvão mineral na região.

O desmatamento emite gases do efeito estufa; a termelétrica a carvão, também, mas o presidente da Vale do Rio Doce não acha que há uma contradição entre as duas posições.

- Precisamos interromper o desmatamento da Amazônia, que representa 75% do que emitimos e não traz nenhum desenvolvimento. É floresta sendo queimada; um absurdo. Por outro lado, temos de ter energia para o desenvolvimento e, neste momento, a oferta futura não garante que o país possa crescer acima de 4% e além de 2012 - diz ele.

Nos últimos anos, a Vale impôs, no contrato de venda de minério para produtores de gusa, cláusulas de respeito ao meio ambiente. Por esses contratos, os produtores são obrigados a respeitar as leis ambientais, cumprir leis trabalhistas, além de todas as "licenças, autorizações, alvarás, permissões, programas, certificados e estudos" exigidos por lei. O problema é que, mesmo quem tem todos esses documentos, nem sempre os cumpre. Assim, a Vale enviou um documento ao Ibama dizendo que queria ter certeza do cumprimento de todos aqueles pontos.

Na carta ao então presidente do Ibama, Marcus Barros, em 13 de março, a Vale reclama da "dificuldade prática de a empresa saber, entre aquelas para as quais fornece minério, quais, mesmo dispondo do licenciamento ambiental, estariam porventura praticando atos contra a legislação ambiental e trabalhista".

Na resposta, o Ibama reconheceu que há "sérios indícios de insustentabilidade do Pólo Carajás no tocante à utilização do carvão vegetal de fontes legais e sustentáveis". O Ibama diz que existem, sim, passivos ambientais na região, o não cumprimento da norma que estabelece a reposição florestal, licenciamento dado pelos governos estaduais sem o cumprimento das exigências da lei e, além disso, avisa que existe "previsão de instalação de novos fornos siderúrgicos sem avaliação e resolução dos passivos e problemas identificados". O Ibama conta que foram feitas várias reuniões com os produtores para um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas até agora não houve acordo. Diante disso, a Vale decidiu que não renovará o contrato de fornecimento de 6 milhões de toneladas por ano para os guseiros da região.

Lá há dois problemas: um é a ocorrência de trabalho escravo nas carvoarias; outro é o uso de madeira de desmatamento para fazer o carvão a ser vendido para os produtores de ferro-gusa. Em relação ao primeiro problema, o Instituto Carvão Cidadão vem fazendo um duro trabalho de separar bons e maus produtores, e já descredenciou 312 carvoarias. Mas o ICC não se envolve na questão ambiental.

A Vale admite que a produção de carvão para as usinas de gusa é apenas parte do desmatamento, mas acha que é importante que isso se integre na luta geral pela preservação da Amazônia.

- Por que não levar o desmatamento a zero? Tem que se buscar essa meta, apesar de difícil. Quando a floresta está pegando fogo, o fiscal vai descer lá na fazenda? Se ele for, morre - diz Roger Agnelli.

Se essa destruição da floresta não leva a nenhum desenvolvimento, ele acha que o país precisa "decidir" se quer manter o ritmo de crescimento econômico sustentado, o que levará à tomada de decisões sobre as fontes de energia.

Anos atrás, a Vale decidiu ser produtora de energia para seus próprios projetos e para fornecer a terceiros. Ganhou a concessão de Capim Branco I e II, Estreito, Aimorés, Funil, Candonga e Santa Isabel, que foi devolvida.

- Se tudo sair direito, teremos energia suficiente para os projetos de Vermelho e Onça Puma, de níquel; Sossego e Salobo, de cobre. Tememos é a falta de energia para os novos negócios. O ciclo da China vai continuar e vamos aumentar o fornecimento de minério de ferro. Hoje produzimos 300 milhões de toneladas de minério e vamos para 400 milhões em 2011. Estamos investindo para ter a energia necessária, mas está difícil - diz Roger.

A Vale tem três projetos de construção de termelétricas a carvão que são - como se sabe - muito poluentes. Uma delas, que espera licença, é a de Barcarena.

- Nosso balanço geral de emissão de carbono é declinante, por uso de novas tecnologias, por revegetação em diversas áreas e pelo uso de biodiesel nas locomotivas. Aliás, com o biodiesel, estamos derrubando em 20% a emissão de enxofre.

Em resumo, o presidente da Vale acha que o Brasil precisa aprovar projetos de energia, mesmo que tenham algum impacto ambiental, pois todas as fontes têm. Em compensação, tem de ser rigoroso no combate ao desmatamento da Amazônia, que não traz nenhum desenvolvimento. Em relação aos guseiros, não há como saber hoje quem usa ou não o carvão de desmatamento. Por isso a decisão será não renovar os contratos no ano que vem.