Título: Crueldade sem justificativa
Autor: Fernandes, Lilian
Fonte: O Globo, 25/06/2007, Rio, p. 11

Cinco jovens de classe média da Barra espancam doméstica pensando tratar-se de prostituta.

Aempregada doméstica Sirley Dias de Carvalho Pinto, de 32 anos, teve a bolsa roubada e foi espancada por cinco jovens moradores de condomínios de classe média da Barra da Tijuca, na madrugada de sábado. Os golpes foram todos direcionados à sua cabeça. Presos por policiais da 16ª DP (Barra), três dos rapazes ¿ o estudante de administração Felippe de Macedo Nery Neto, de 20 anos, o técnico de informática Leonardo Andrade, de 19, e o estudante de gastronomia Júlio Junqueira, de 21 ¿ confessaram o crime e serão levados para a Polinter. Como justificativa para o que fizeram, alegaram ter confundido a vítima com uma prostituta.

Os outros dois envolvidos ¿ o estudante de turismo Rodrigo Bassalo, conhecido como Big Head (cabeça grande em inglês), de 21 anos, e o estudante de direito Rubens Arruda, de 19 ¿ estão foragidos, mas já há mandados de prisão expedidos contra eles. O delegado titular da 16ª DP, Carlos Augusto Nogueira Pinto, disse que os cinco serão acusados de tentativa de latrocínio (roubo seguido de morte) e poderão ser condenados a penas entre 12 e 15 anos de prisão.

¿ Os rapazes, sem explicações, espancaram a vítima violentamente. Devido à gravidade, à quantidade e à localização dos golpes, eles serão enquadrados no artigo 157, parágrafo 3º, tentativa de latrocínio ¿ disse o delegado. ¿ Agora eles estão em silêncio, demonstrando arrependimento.

Empregada ia fazer exame em Caxias

Sirley contou que às 4h50m estava esperando um ônibus num ponto na Avenida Lúcia Costa, em frente ao Condomínio Summer Dream, onde trabalha. Iria para Imbariê, em Duque de Caxias, para fazer um exame preventivo num posto de saúde próximo à sua casa. Depois, seguiria para Ipanema, onde faria um serviço extra. Naquele momento, um Gol preto parou e quatro homens saltaram.

¿ Foi tudo muito rápido. Eles puxaram minha bolsa, e, quando eu me desequilibrei e caí, começaram a chutar. O alvo deles era só a cabeça. Estou com um dos braços roxo (o direito) porque tentei proteger meu rosto. Teve uma hora em que levei um chute muito forte, no lado esquerdo do rosto, e tudo escureceu. Pensei que ia morrer, e eles não paravam de bater. Foram muito cruéis, pareciam estar drogados. Eles ainda agrediram outras duas senhoras antes de ir embora ¿ contou Sirley.

Na bolsa, ela levava um celular que ainda não acabara de pagar, R$47, o pedido de exame médico e seus documentos. Tinha também um cartão de identificação do condomínio Summer Dream e, por isso, teme represálias. Desnorteada e sem dinheiro, Sirley voltou ao condomínio para pedir ajuda. Lá, soube que um taxista que passava pelo local na hora da agressão anotara a placa do carro dos rapazes e entregara ao segurança.

Seus patrões a acompanharam à 16ª DP, mas os policiais, impressionados com os ferimentos de Sirley, aconselharam que eles a levassem primeiro ao Hospital Lourenço Jorge, onde ela foi submetida a radiografias. Os pais e a irmã da doméstica foram encontrá-la no hospital.

¿ Foi um absurdo o que fizeram com ela. Quando a Sirley ligou dizendo que tinha sido assaltada e espancada, não tínhamos idéia de que íamos encontrá-la daquele jeito ¿ contou, emocionada, sua irmã, Patrícia Dias Carvalho, de 34 anos. ¿ Quando a Sirley chegou em casa, seu filhinho, de 3 anos, perguntou: ¿Mãe, foi o moço mau que fez isso com você?¿ Esses garotos não tinham necessidade de fazer isso, eles têm de tudo. Agora precisam pagar pelo que fizeram.

A partir da placa do carro, os policiais identificaram Felippe de Macedo Nery Neto, proprietário do veículo. Sirley, que depois de medicada voltou à delegacia, reconheceu-o pela fotografia disponível no sistema do Detran. Felippe se apresentou espontaneamente no sábado à noite, depois de saber que os policiais o procuravam. Confessou o crime e deu os nomes dos outros quatro participantes.

Segundo ele, os cinco voltavam de uma festa no Espaço 45, em São Conrado. Felippe disse que estava ao volante e não desceu do carro. E que todos, menos ele, haviam bebido. Ainda segundo o estudante, ao reconhecê-lo, Sirley o teria confundido com outro membro do grupo, com quem é parecido. Enquanto o estudante estava na delegacia, a polícia obteve o mandado de prisão contra ele, e Felippe foi encarcerado.

Júlio e Leonardo foram presos ontem de manhã e também confessaram participação no crime. A polícia realiza buscas para localizar Rodrigo e Rubens e já aconselhou as famílias a convencerem-nos a se entregar. Parentes de alguns dos acusados passaram a manhã na delegacia. Tensos, não quiseram falar com os jornalistas e fizeram ameaças.

Sirley voltou à delegacia à tarde para fazer o reconhecimento dos três presos:

¿ Só quero Justiça, que os culpados sejam presos e condenados. Eles disseram que fizeram isso porque me confundiram com uma prostituta. Mas, mesmo que eu fosse, cada um faz o que quer de sua vida. Ninguém merece uma agressão dessas. Lá onde eu moro, muitas pessoas trabalham e estudam à noite e não têm oportunidade. Eles (os agressores) não sabem aproveitar o que têm.

O pai de Sirley, o pedreiro Renato Moreira Carvalho, disse sentir pena dos jovens:

¿ Eu estava trabalhando quando a Sirley me ligou para dizer o que tinha acontecido. O que esses rapazes fizeram foi brutal. Minha filha trabalha desde os 17 anos. Ninguém merece isso. Eles precisam de tratamento. Criei meus quatro filhos como meu pai me criou, com integridade. O problema é que os jovens de hoje estão muito soltos, sem limites. Por isso, estão tão violentos. Se os pais procurarem saber o que os filhos fazem fora de casa, podem melhorar muito esse caos.

COLABOROU: Lauro Neto

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