Título: Esperança e medo
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 29/06/2007, O País, p. 4

A votação da noite de quarta-feira, em que foram derrotadas as propostas de lista fechada ou flexível, para as eleições proporcionais, culminou num dia em que a grande política prevaleceu nas negociações da Câmara dos Deputados. Não pelo resultado em si, já que não é possível dizer que a lista fechada é antidemocrática, quando se sabe que ela é usada em vários países, especialmente na Europa. O importante é que houve um debate político muito bom nos últimos dias, que permitiu chegar-se à votação. E foi possível mostrar que a política pode ser feita de maneira combativa, mas em alto nível, especialmente quando se trata da reforma política, tão fundamental para o aperfeiçoamento do sistema democrático.

A derrota do sistema de lista fechada deveu-se ao tradicionalismo do eleitorado brasileiro, assim como o parlamentarismo, que considero o melhor sistema político, foi derrotado duas vezes em plebiscito e seria derrotado por uma terceira vez, se o eleitorado voltasse a ser consultado.

Nossa tradição política valoriza o voto direto no candidato, assim como valoriza a figura do presidente da República, em detrimento da divisão de poderes com um primeiro-ministro. Mas não há dúvida de que a reforma política deve ter como principal objetivo o fortalecimento dos partidos políticos, para que os políticos não continuem tendo a predominância que têm hoje.

Hoje, cada político é uma entidade singular, que defende interesses corporativos ou pessoais e não são influenciados pelos partidos, que, por sua vez, não conseguem se identificar com qualquer linha de pensamento e não representam as aspirações do eleitorado.

O caminho da lista fechada, que parecia no início da discussão da reforma política a solução, acabou sendo barrado por essa percepção do eleitorado, que ecoou no plenário da Câmara, de que ele não escolheria mais seus parlamentares diretamente, mas delegaria essa decisão para uma cúpula partidária.

A característica própria da política nacional e da legislação do país ainda favorece a concentração de poderes. Existem diversos estudos acadêmicos que contrariam algumas premissas levantadas pelos opositores das listas fechadas, como, por exemplo, a de que ela provocaria uma menor renovação parlamentar, em conseqüência direta da oligarquização dos partidos políticos.

Uma pesquisa feita pelos cientistas políticos ingleses Richard Matland e David Studlar, que compararam 25 diferentes países, chega à conclusão de que não há nenhuma relação entre o sistema eleitoral e a taxa de renovação parlamentar. Outra pesquisa, essa do cientista político André Marenco, da UFRGS, com o sugestivo título "Regras eleitorais importam?", conclui que não há uma relação direta entre o sistema eleitoral adotado e a saúde democrática dos países.

O que importa é ter regras estáveis, que possibilitem uma continuidade da experiência democrática. A reforma política entrará agora em uma fase mais produtiva, quando serão votados alguns instrumentos básicos, como a fidelidade partidária, o fim das coligações proporcionais e a volta da cláusula de barreira de 5% dos votos nacionais, com um mínimo de votação em pelo menos 1/3 dos estados.

A discussão passará a ser centrada na adoção do voto distrital misto, defendido pelo PSDB, que tem o apoio de boa parte da Câmara e ganhou já alguns projetos no Senado, como o do senador Francisco Dornelles, que transforma as eleições proporcionais de 2010 em majoritárias, com cada estado sendo um grande distrito. A partir dessa experiência, o Congresso partiria para definir os distritos com maior dose científica.

Ainda há esperança.

O Senado continua às voltas com suas mazelas, sem conseguir sair da própria armadilha, agora agravada pela entrada em cena do presidente da República, que, a exemplo do que fez no caso do mensalão, está assumindo pessoalmente a operação de salvação do senador Renan Calheiros.

Continuo achando que o PSDB errou ao entrar nessa disputa pela presidência do Conselho de Ética, dando chance ao governo de transformar a tentativa de uma investigação correta em uma disputa política.

Foi um péssimo momento esse que o líder do partido escolheu para se lançar candidato, depois de ter recebido um bilhete de Renan Calheiros pedindo que o ajudasse. Mas não tenho motivos para duvidar da boa-fé do senador Arthur Virgílio, mesmo com os antecedentes do PSDB na operação-abafa, na pessoa do governador de Alagoas Teotonio Vilella, ex-presidente do partido.

Segundo Virgílio, os tucanos resolveram entrar na parada porque o Senado está se desmoralizando muito, e a única maneira de salvar a instituição é fazer uma investigação profunda do caso, que justifique uma decisão com credibilidade, contra ou a favor de Renan Calheiros.

Para Virgílio, a escolha de Renato Casagrande, do PSB, para relator do processo foi uma vitória dessa tese, pois o senador do Espírito Santo é homem independente e que não se submeterá a pressões do governo.

Assim como os tucanos, Casagrande estaria disposto a investigar profundamente o caso, partindo da estaca zero. E, quando o Conselho não tivesse condições estatutárias para investigar, acionaria o Ministério Público, ou a Receita Federal.

Ontem mesmo, essa disposição de Casagrande já incomodava o novo presidente do Conselho, o senador do PMDB Leomar Quintanilha, adepto incondicional de Calheiros que foi colocado no lugar para arquivar o processo o mais rapidamente possível. Ao final do dia, arranjou uma desculpa esfarrapada para desconvidá-lo.

Tudo indica que essa situação não se resolverá sem o sacrifício ou do Senado, ou de Renan. O medo é que a instituição se desmoralize mais ainda nesse processo de salvação do senador.