Título: Uma crítica injusta
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 05/07/2007, Opinião, p. 7

A agressão do presidente Hugo Chávez ao Senado brasileiro, chamando-o de "papagaio" dos EUA, agora renovada com a ameaça de retirar o pedido de incorporação da Venezuela ao Mercosul, caso os Legislativos do Brasil e do Paraguai não aprovem até setembro o protocolo de adesão, suscitou debates relativos à entrada daquele país no bloco econômico criado pelo Tratado de Assunção.

Antes de tudo, assinale-se que a crítica do presidente da Venezuela ao nosso Congresso é injusta. Em 2002, quando Chávez foi vítima de golpe militar, o Congresso brasileiro deu apoio decisivo à democracia venezuelana. À época deputado federal, consegui aprovar, na Câmara, moção que repudiava quaisquer tentativas de interromper o processo democrático na Venezuela. Não se tratava de manifestar solidariedade a um governante, mas de apoiar a democracia da Venezuela, ameaçada por golpe. Agora, quando o Senado apela para que seja revista a decisão de fechar o canal RCTV, que apoiou o golpe de 2002, não o faz para manifestar repúdio ao governo venezuelano, mas essencialmente para dar suporte à democracia na Venezuela.

A intenção do Congresso Nacional é, hoje como ontem, proteger a democracia e os interesses do país. Para fazê-lo, o Legislativo do Brasil não se curvará a pressões e nem cumprirá prazos ditados por terceiros.

Hoje, muitos se perguntam se a incorporação da Venezuela ao Mercosul é compatível com o compromisso democrático assumido no Protocolo de Ushuaia e com o desenvolvimento econômico e social da região. Estou convencido de que a resposta é afirmativa. Quem está se incorporando ao Mercosul é a Venezuela, não seu governo atual. Governos vêm e vão, mas o país fica, mantendo seus compromissos no plano internacional. Observe-se que os estudos para a incorporação da Venezuela ao Mercosul começaram na década de 90, bem antes do governo Chávez.

Já naquela época, brasileiros e venezuelanos mostravam-se favoráveis à adesão da Venezuela ao Mercosul em face da complementaridade das economias daquele país e do Brasil. Com efeito, a Venezuela, embora tenha abundância de hidrocarbonetos, possui economia pouco desenvolvida em certos setores industriais importantes, como máquinas e equipamentos e bens de capital, nos quais a economia brasileira é bem mais competitiva.

Por outro lado, a integração com a Venezuela contribuiria para que o Brasil equacionasse os estrangulamentos de sua matriz energética. Dessa forma, vislumbrava-se, antes do aparecimento do chavismo, que os benefícios da integração seriam consideráveis para ambas as partes. E o Brasil já está colhendo resultados muito positivos dessa integração. Há projetos de investimentos bilaterais de relevância, como o do metrô de Caracas e o da refinaria Abreu e Lima, que beneficiará muito o Nordeste brasileiro. Ademais, o nosso superávit nas trocas comerciais bilaterais chegou, em 2006, a cerca de US$3 bilhões, com a vantagem de ter sido gerado quase que exclusivamente com exportações de manufaturados.

Considere-se também que a melhor estratégia para assegurar a normalidade democrática na Venezuela é incorporá-la ao Mercosul, que exige compromisso democrático, ao invés de tentar isolá-la. O isolamento poderia ter efeito inverso, radicalizando Chávez e propiciando a formação de bloco populista na região, com conseqüências geopolíticas negativas. O jovem Mercosul pode desempenhar o mesmo papel civilizador que a velha União Européia teve em seu entorno. Com efeito, a formação das comunidades européias foi decisiva para que países como Portugal e Espanha abandonassem seus regimes autoritários e modernizassem suas economias. Lembre-se que o processo de integração da União Européia sobreviveu a notáveis diferenças ideológicas e políticas que existiam entre seus membros. No Mercosul, temos de ter também visão de longo prazo e espírito democrático para conviver com diferenças.

Incontinências verbais e ultimatos retóricos não devem desviar a América do Sul da consolidação de suas democracias e do progresso econômico e social. E o Brasil, que tem papel preponderante na integração da região, não pode renunciar à responsabilidade de conduzi-la a bom termo. Afinal, tal como os governantes, palavras vêm e vão, mas os compromissos dos Estados permanecem.

ALOIZIO MERCADANTE é senador da República pelo PT-SP.